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A tesoura afiada de Macri para reduzir o déficit

Por Agência O Globo

20/01/2018 18h01 — em
Economia



BUENOS AIRES Nos últimos meses, o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Jorge Faurie, visitou várias embaixadas do país e, em algumas delas, como na de Assunção, no Paraguai, ficou impressionado com o tamanho e a sofisticação das instalações — o prédio tem uma enorme piscina e um teatro com capacidade para mais de 300 pessoas. Surpreso, o ministro afirmou, segundo fontes argentinas, que “se o presidente Mauricio Macri vir isso, nos mata”. Faurie, como todos os ministros do gabinete argentino, recebeu ordens claras e diretas do chefe de Estado para 2018: austeridade total.

A tesoura do presidente está afiada. Em sua cruzada para equilibrar as contas e reduzir o déficit fiscal, que ficou em 3,9% do PIB no ano passado, Macri está avançando na implementação de um ajuste que já deixou 1.200 servidores na rua este mês e eliminou até mesmo a única companhia nacional de dança que era financiada pelo Estado e comandada pelo famoso dançarino Iñaki Urlezaga. Comenta-se até a possibilidade de venda de residências diplomáticas. Segundo o jornal “Clarín”, até mesmo a de Madri estaria na mira.

Os cortes, que já afetaram os ministérios da Defesa, do Meio Ambiente e da Produção e o Serviço Nacional de Qualidade Agroalimentar (Senasa), vão continuar. Segundo confirmou recentemente o chefe de gabinete, Marcos Peña, incluirão a redução de 20% dos 3.500 cargos hierárquicos da Administração Pública Nacional (APN).

— Temos de terminar com os servidores que sequer vão trabalhar e com os benefícios pessoais no Estado. Não pode em Tucumán (província do Norte) um vereador ter 80 assessores, é uma loucura — declarou Macri, no fim do ano passado.

‘austeridade é necessária’

Até agora, os cortes provocaram bastante ruído político, mas não representam, segundo economistas, uma economia expressiva para o governo. Num Estado nacional que tem 750 mil servidores, demitir 1.200 não muda o panorama, opinou Martin Tetaz, professor e pesquisador da Universidade Nacional de La Plata. Para ele, “o ajuste ainda é insignificante em termos de déficit fiscal, mas uma política de austeridade é necessária em momentos em que a população suporta uma inflação acima de 20% e aumentos de tarifas”:

— O problema mais grave está nas províncias. São 2,5 milhões de pessoas (de um total de 41 milhões de habitantes) trabalhando para os estados provinciais.

O economista questionou, ainda, o que considera contradições da política macrista:

— Vejo uma obsessão pública de Macri com a questão das despesas do Estado, mas, na prática, o governo ainda mantém muitos privilégios, e o número de ministérios, por exemplo, aumentou.

Ficar desempregado neste momento na Argentina é uma situação delicada. O país cresceu 2,9% em 2017, e a meta é superar os 3% este ano, mas o mercado de trabalho está praticamente paralisado. A preocupação é grande, admitiu o professor de História Nahuel Jalil, de 31 anos, que trabalhou até dezembro passado no Ministério da Defesa.

— Eu ganhava em torno de US$ 900 (R$ 2.880). Não vejo como cortar salários tão baixos como o que eu tinha possa fazer diferença — disse Nahuel, que era encarregado do arquivo militar, fonte fundamental de informação nos julgamentos de crimes da última ditadura (1976-1983).

Só no Ministério da Defesa, foram 70 demissões nas primeiras duas semanas do ano. A Associação de Trabalhadores do Estado (ATE) está em alerta e já convocou várias manifestações. Alguns cortes foram dramáticos, como o fechamento da Fanazul, uma fábrica de armamentos militares localizada na cidadezinha de Azul, a 400 quilômetros de Buenos Aires. Lá, 230 pessoas — que representavam, juntas, uma renda de US$ 500 mil (R$ 1,6 milhão) mensais — ficaram desempregadas. O buraco na pequena economia de Azul será expressivo.

— Atualmente, nosso trabalho era construir armamentos, como dinamites, e desativar armas de guerra, principalmente das Malvinas (em 1982), que são um perigo para a população — comentou Juan Cacase, um dos demitidos, que lidera os protestos em Azul e na capital para tentar reverter a decisão de Macri.

Mas o presidente está decidido, e seus ministros asseguram que não existe outra saída. Algumas medidas adotadas pela Casa Rosada provocaram forte reação social. Uma das mais criticadas nas redes sociais foi a eliminação da companhia nacional de dança, que realizava em torno de 50 espetáculos gratuitos por ano.

— A explicação que deram foi simples: não tem mais dinheiro. Eu acho incompreensível cortar a cultura, algo tão importante para um país — lamentou Urlezaga.

marchas e acampamentos

Sua companhia tinha 60 bailarinos de todas as províncias e custava ao Estado em torno de US$ 1,5 milhão (R$ 4,8 milhões) por ano.

— Éramos a única companhia nacional de dança da Argentina. Do ponto de vista institucional, o que fizeram é gravíssimo — frisou o dançarino.

Na província de Buenos Aires, a governadora Maria Eugenia Vidal, a dirigente mais popular do país (em algumas pesquisas, supera o próprio presidente), está seguindo à risca as diretrizes traçadas pela Casa Rosada. Os cortes são cada vez mais frequentes, em áreas como o Ministério da Educação. Atualmente, 380 ex-servidores da pasta, demitidos no fim do ano passado, organizam marchas e acampamentos para exigir a recuperação de seus postos de trabalho.

— Nossa missão era nada menos que construir, reformar e ampliar escolas. Queremos trabalhar — disse Marianela Castellani, uma das afetadas.

Mas recuar não é uma alternativa para Macri. O presidente, que fechou 2017 aprovando uma polêmica reforma da Previdência, já deixou claro que quer um Estado bem mais enxuto, mesmo que isso implique abrir várias frentes de conflito ao mesmo tempo, com sindicatos, servidores e até mesmo representantes da cultura nacional.


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