Rouhani usa redes sociais para tentar se reeleger no Irã
RIO E TEERÃ - Redes sociais como o Facebook e o Instagram são oficialmente proibidas no Irã desde 2009. O que não impediu que elas se transformassem numa verdadeira frente de guerra entre os candidatos mais conservadores e o presidente Hassan Rouhani, moderado, que tenta se reeleger na sexta-feira. Com dezenas de milhões de seguidores — que burlam a censura — e com os meios de comunicação tradicionais dominados pelos conservadores, Rouhani depende fortemente das redes para chegar a eleitores indecisivos, principalmente jovens e mulheres, e promover suas políticas. Mas, além dele, agora até mesmo políticos linha-dura, que antes eram a favor da proibição, usam as redes para tentar conseguir votos.
— Por esta razão, e paradoxalmente, muitos que anteriormente desautorizavam as redes têm se unido a elas para alcançar o eleitorado e promover suas políticas, incluindo o líder supremo Ali Khamenei — explica Hadi Ghaemi, diretor-executivo do Centro para Direitos Humanos no Irã, com sede em Nova York. — Desta forma, as mídias sociais estão se tornando não apenas um lugar importante para os iranianos mostrarem suas opiniões e terem acesso a notícias censuradas em outros meios de comunicação, mas também uma frente de guerra entre os radicais e reformistas que lutam para divulgar sua mensagem.
A poucos dias do pleito, a disputa ficou mais embaralhada, embora o presidente ainda seja favorito: na segunda-feira, o campo conservador acabou fortalecido com a desistência de um dos candidatos, o atual prefeito de Teerã, Mohammad Bagher Qalibaf, que deixou a disputa a favor do concorrente mais forte da ala conservadora, o clérigo Ebrahim Raisi — próximo ao líder supremo do país. Um dia depois, no entanto, o vice-presidente reformista Es-Hah Jahanguiri também desistiu de concorrer em prol de Rouhani. Com os últimos anúncios, o número de candidatos fica agora reduzido a quatro — sendo que dois são vistos como sem chances.
Rouhani sabe que precisa das mídias sociais para convencer parte do eleitorado a sair para votar — cerca de 60% da população de 80 milhões de habitantes têm menos de 30 anos. Normalmente comedido, o presidente vem mudando sua estratégia na reta final da campanha. Num vigoroso discurso na quarta-feira, exortou a poderosa e quase intocável Guarda Revolucionária a não interferir na eleição.
— Só temos um pedido: que a Guarda Revolucionária e os Basiji (mílicia sob seu controle) fiquem em seus próprios lugares para fazer seu próprio trabalho — disse, durante um discurso na cidade de Mashad.
Pouco depois, o aiatolá Khamenei rebateu o presidente, afirmando que manter a segurança é uma das maiores preocupações na eleição. E ainda criticou a retórica acalorada da campanha, que classificou como “indigna” — uma repreensão velada a Rouhani.
Ao longo do governo, o presidente resistiu várias vezes à pressão para proibir também o Telegram, um aplicativo de troca de mensagens similar ao WhatsApp, e usado por cerca de 20 milhões de iranianos como fonte primária de notícias. Mesmo assim, segundo analistas, tem sido incapaz de proteger a privacidade dos usuários e impedir a pirataria de contas pessoais, incluindo de ativistas reformistas.
— Queria boicotar a eleição porque estou muito desapontado com o fracasso de Rouhani em trazer mais liberdade para o Irã — disse durante um ato de campanha o professor Reza Mirsadegh. — Mas mudei de ideia. Vou votar em Rouhani para impedir a vitória de Raisi.
Páginas como Twitter e Facebook foram barradas oficialmente durante os protestos de 2009, no segundo turno da disputada eleição de Mahmoud Ahmadinejad — curiosamente, o primeiro deixou de ser banido em 2016, segundo pesquisadores do Centro para Direitos Humanos no Irã.
Mas, apesar das proibições, grande parte dos iranianos ignora os filtros impostos usando redes privadas virtuais (VPN), que permitem que eles acessem os sites bloqueados anonimamente — inclusive o próprio líder supremo do país, que tem uma conta ativa no Twitter e no Facebook. Além dele, outros membros linha-dura vêm utilizando o Twitter em seu benefício na campanha, inclusive publicando tutoriais sobre como usar a rede social, para se contrapor a mensagem de reformistas e liberais.
Abbas Milani, Diretor de Estudos Iranianos da Universidade de Stanford, na Califórnia, lembra ainda que nos últimos dias Rouhani e seus apoiadores vêm usando as redes para disponibilizar on-line parte da campanha que é censurada pela mídia tradicional e se defender de ataques dos oponentes, que publicam documentos de supostos negócios imobiliários corruptos dos quais o presidente teria participado. Até agora, mais de 60 violações vinculadas às eleições foram registradas, e duas pessoas foram presas.
— Os ataques constantes dos principais candidatos tomaram conta das redes sociais na última semana. E os apoiadores de Rouhani constantemente publicam nas informações de checagem de fatos, para provar que as acusações divulgadas por Raisi não são verdadeiras — diz Milani. — É uma maneira extraordinária de mostrar que Raisi se contradiz em muito do que diz.
O especialista lembra ainda que, num de seus últimos discursos mais marcantes, Rouhani pediu mais liberdade nas redes:
— Uma das estratégias de Rouhani é criar um movimento grande, usando as redes, para estimular o voto — afirma. — O cálculo é que, a não ser que uma grande maioria de eleitores saia para votar nele, especialmente jovens e mulheres, a vitória no primeiro turno será impossível. E sua estratégia é claramente vencer no primeiro turno, porque ele não tem certeza do que acontecerá no segundo.
Os meios de comunicação tradicionais são controlados pelo líder supremo, que nomeia o responsável pela maior rede de rádio e TV do país (Irib) — todos os outros programas nacionais operam sob o guarda-chuva da Irib e funcionam como porta-vozes da linha-dura. Oficialmente, ainda existem alguns jornais reformistas em atividade, mas Ghaemi explica que eles são subfinanciados em comparação aos conservadores, que recebem muito mais recursos.
— Esta é a maior razão pela qual cada vez mais iranianos estão buscando as redes como fonte de notícias sem censura — explica o diretor-executivo do Centro para Direitos Humanos no Irã. — Mesmo assim, o governo ainda tem um longo caminho a percorrer. A duas semanas das eleições, oito administradores de 12 canais reformistas aliados a Rouhani foram presos por agentes da Guarda Revolucionária por postagens no Telegram.
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