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PM de Derrite expulsa sem-teto de terreno particular sem mandado judicial

Por Folha de São Paulo

23/04/2024 11h30 — em
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Equipes da Polícia Militar realizaram, na tarde do último dia 20 de janeiro, uma operação de reintegração de posse de um terreno em Osasco, na Grande São Paulo, ocupado na madrugada por um grupo com cerca de 600 integrantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), entre mulheres e crianças.

A rápida resposta do aparato policial foi acompanhada pelo prefeito local, Rogério Lins (Podemos), para enfatizar "a intolerância a invasões em Osasco", conforme nota da prefeitura.

Lins, na mensagem, agradeceu o apoio recebido do governador Tarcísio Freitas (Republicanos) e do secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite.

Embora divulgada oficialmente pelo município e pela PM na imprensa local, a reintegração de posse de Osasco é apontada por coronéis ouvidos pela Folha como uma ação irregular por envolver um terreno particular e ser realizada sem ordem judicial, o que seria obrigatório nesse tipo de situação.

Ainda conforme oficiais, a operação foi realizada sem planejamento adequado e em horário incomum (15h) após ordem verbal de Derrite dada ao comandante da PM, coronel Cássio de Araújo Freitas para atender, segundos eles, pedido de terceiros.

Procurada, a Secretaria da Segurança não negou que a ação tenha ocorrido por ordem direta de Derrite e sem autorização judicial. A pasta afirma que a PM agiu para "preservar a segurança de todos, bem como reestabelecer a ordem pública".

O terreno invadido fica na Vila Menck, na periferia de Osasco, tem cerca de 46 mil metros quadrados e pertence a uma empresa de empreendimentos imobiliários, a Molinos de Osasco, que tem como sócios os empresários Julio e Roberta Belardi de Almeida Camargo, herdeiros do imóvel por parte materna.

Os dois são filhos do lobista Júlio Camargo, delator da Lava Jato, cujas revelações deram base à denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB). Camargo admitiu ter participado de pagamentos de propina à Petrobras e foi multado em R$ 40 milhões.

Também foi condenado a 14 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, pena que, em virtude da colaboração, foi comutada para cinco anos em regime aberto.

A área foi invadida pouco depois da meia-noite e meia do dia 20. Por volta das 6h, o vigia do terreno foi apresentado na delegacia por uma equipe da PM, acionada para atender o caso. O delegado plantonista, Lucas Rafael Serra, registrou a invasão e orientou a empresa a procurar a Justiça.

"A empresa vítima fica desde já orientada a solucionar a demanda através do Poder Judiciário na seara civil, a partir da qual, caso haja necessidade de apoio policial, se dará mediante ordem da autoridade judiciária competente", diz trecho do boletim de ocorrência, emitido às 8h35.

Segundo os oficiais, o planejamento da atuação da PM após decisão judicial pode durar mais de três meses. Na reintegração em Osasco, por volta das 15h do mesmo dia 20, equipes da Força Tática e de Baeps (batalhões especiais) chegaram ao local para expulsar os invasores. Bombas de efeito moral foram atiradas contra o grupo de sem-teto que, sem resistência, deixou o terreno.

Segundo a coordenadora do MTST Ana Paula Perles, a reintegração ocorreu sem a presença de um oficial de Justiça e sem a apresentação de um mandado. Quando os PMs chegaram, ainda segundo ela, representantes do movimento conversavam com um advogado do dono terreno para negociar uma saída pacífica.

"Aí, a polícia entrou, não esperou a gente em nada", disse.

Na avaliação do advogado Rodrigo Matheus, a polícia pode atuar basicamente em duas situações nos casos de invasão de área privada. Uma delas é quando há o risco iminente de a área ser invadida.

"A PM pode reprimir? Ela deve reprimir. O policial tem que agir para prevenir a quebra da ordem", disse.

A segunda situação situação é quando a invasão já ocorreu. Nesse caso, a PM só pode agir quando há ordem judicial.

Para o advogado Márcio Cammarosano, professor de direito administrativo da PUC-SP, o dono de imóvel invadido tem o direito de acionar a polícia para remover invasores, desde que seja logo após a invasão.

"Se essa área já está ocupada, com famílias já ocupando a área, e não é algo que acabou de acontecer, mas, digamos, já virou de um dia para o outro, realmente só mediante um mandado judicial. Aí a polícia, se for solicitada, dará apoio ao oficial de Justiça para promover a desocupação da área", disse.

Para o coronel reformado José Vicente da Silva, que comandou uma série de reintegrações de posses quando estava na ativa da PM de São Paulo, deve-se considerar o risco de colocar em risco à vida das famílias invasoras e dos próprios policiais.

"Primeiro, a polícia não precisa ter a menor pressa de agir, a menos que esteja ocorrendo uma invasão, estejam depredando coisas, pessoas tendo sua liberdade cerceada, tendo cárcere privado. Ou seja, um crime em andamento que justifique a ação policial. Uma vez que o pessoal entrou, é questão de advogado, da Justiça, não é questão policial. Pressa para quê?", afirma ele.

PM DIZ AGIU PARA REESTABELECER ORDEM PÚBLICA

A Secretaria da Segurança disse que a ação da PM "foi realizada de forma a preservar a segurança de todos, bem como reestabelecer a ordem pública". "Os agentes auxiliaram os representantes municipais na contenção da invasão ainda em curso desde o início da madrugada, o que ocorreu por volta das 15h do mesmo dia", afirma a nota enviada à reportagem.

Ainda conforme o governo estadual, os agentes "acompanharam o diálogo dos representantes do movimento com as autoridades locais" e "posterior liberação do terreno sem que tenha havido qualquer pessoa ferida ou presa".

"O caso foi registrado como invasão de domicílio pela Polícia Civil de Osasco, cujo inquérito foi relatado à Justiça. O estado de São Paulo atua e seguirá atuando para garantir e proteger o direito à propriedade pública ou privada", finaliza.

O prefeito de Osasco, Rogério Lins, não quis conceder entrevista. Por meio de nota, negou envolvimento dele e da prefeitura na reintegração, contrariando a versão da SSP. Diz ter dado apoio à PM. "A mesma que há em ações de reintegração de posse: apoio da GCM, trânsito, assistência social."

Ainda por meio de nota, a prefeitura negou que tenha afirmado à PM que o terreno era público e disse que agradeceu ao governador Tarcísio apenas "porque na ação não houve confronto".

Sobre a frase "a intolerância a invasões em Osasco", conforme nota da prefeitura, ele disse que ação em janeiro foi "uma invasão orquestrada, com distribuição inclusive de material convocando a população".

O dono do terreno, Julio Belardi de Almeida Camargo, disse à reportagem que não tem amizade com o prefeito de Osasco e ficou sabendo da participação do político na ação após receber um vídeo pelas redes sociais. Afirmou, ainda, que contratou um advogado para cuidar da ocorrência, mas não sabe se o profissional chegou a acionar a Justiça para isso.

O Tribunal de Justiça não localizou nenhuma ordem judicial referente ao terreno de Osasco.


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