Justiça Federal mantém suspensão de implantação de polo naval em Manaus
MPF realizou seminário sobre consulta prévia, livre e informada no último sábado (30), com a participação de comunitários, movimentos sociais, representantes do Estado do Amazonas e do Exército
A Justiça Federal no Amazonas manteve a suspensão de todas as atividades relativas ao projeto de implantação do Complexo Naval, Mineral e Logístico (Polo Naval), enquanto não realizada a consulta prévia, livre e informada das comunidades ribeirinhas que vivem na região, nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A decisão foi proferida no curso de ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM), depois que o Estado do Amazonas apresentou pedido de revisão de decisão liminar expedida em maio deste ano, que suspendeu as medidas para instalação do polo.
A decisão liminar proferida em maio e a manutenção do entendimento, na decisão expedida no dia 26 de agosto, são fundamentadas na ausência de consulta prévia, livre e informada a, pelo menos, 19 comunidades tradicionais localizadas na margem esquerda do rio Amazonas, na região do Puraquequara.
No último sábado, dia 30 de agosto, o MPF/AM promoveu, na sede da instituição, um seminário para apresentar os objetivos da consulta prévia e os aspectos que precisam ser considerados para que ela seja válida. O evento reuniu cerca de 90 pessoas, entre comunitários, representantes de movimentos sociais, do projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, da Secretaria de Estado de Planejamento e Desenvolvimento Econômico (Seplan), da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e do Exército.
Os procuradores da República Fernando Merloto Soave e Julio José Araujo Junior apresentaram os fundamentos previstos na Convenção nº 169/OIT, legislação internacional que trata dos direitos dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, inlcuindo o direito à terra, aos recursos naturais e à consulta prévia. O Decreto Legislativo nº 143/2002 obriga o Brasil a obedecer o que diz a convenção.
Formato da consulta – A consulta é um procedimento de participação exclusivo dos povos indígenas e comunidades tradicionais, cuja realização é de responsabilidade dos governos, cobrindo todas as despesas do processo. Todas as medidas que afetem comunidades tradicionais devem ser submetidas à consulta prévia, que precisa ser realizada desde as primeiras etapas de planejamento, antes da tomada das decisões. “É comum que, mesmo antes do estudo de impacto ambiental, se faça estudos de solo, de água, para definir o projeto, mas se esquece do fator humano, fazendo a consulta numa lógica apenas homologatória, quando as decisões já estão tomadas”, destacou Soave.
Outro aspecto importante é a liberdade para participação ou não dos comunitários na consulta e a possibilidade de concordar ou não com as propostas apresentadas, sem que sejam pressionados de alguma forma. Todas as informações sobre a proposta devem ser apresentadas claramente, de forma que os comunitários compreendam os possíveis impactos positivos e negativos da medida que pode ser tomada, e a consulta deve ser realizada de boa-fé, com o objetivo de construir um acordo, um consenso em torno da proposta.
O processo de consulta deve incluir reuniões preparatórias, quando será aprovado o Plano de Consulta, que deverá detalhar as regras do processo, o local, a forma de decisão, as datas; reuniões informativas, quando o governo repassará todas as informações às comunidades; discussão interna do assunto pelas comunidades, sem a presença do governo; negociação, quando as comunidades dirão se concordam ou não com a proposta, podendo apresentar sugestões; e decisão final, com indicação da posição dos comunitários, formalizada em ata.
Com relação à implantação do polo naval, o Estado do Amazonas não observou estas etapas. “Simplesmente informar que vai haver a consulta não atende ao que prevê a convenção. Esse processo de consulta deve ser construído com as comunidades, conhecendo a sua realidade”, explicou Soave.
Um dos participantes foi Rubens Martins, morador da comunidade Santa Luzia do Tiririca, uma das comunidades potenciamente afetadas pela implantação do polo naval. Ele relatou que sua família vive no local, à margem esquerda do rio Amazonas, há mais de cem anos e que a comunidade desenvolve projeto de psicultura que beneficia diretamente cerca de 50 famílias. “As medidas que já foram tomadas ainda valem, já que não foi realizada a consulta prévia com as comunidades?”, questionou.
Revogação do decreto – O procurador da República Julio José Araujo Junior explicou que a maneira como o Estado do Amazonas declarou de utilidade pública a área a ser utilizada para a implantação do polo naval, por meio do Decreto nº 32.875/12 – que afeta diretamente as comunidades da margem esquerda do rio Amazonas – não é válida, porque não foram observados os requisitos da Convenção nº 169/OIT.
O secretário executivo de Planejamento e Desenvolvimento Econômico do Amazonas, Ronney Peixoto, informou que o Estado do Amazonas vai se manifestar em breve ao MPF sobre a revogação do decreto, já que a consulta não foi realizada antes de definir a área afetada.
O MPF indicou ainda que, em razão da decisão liminar da Justiça Federal que suspende todas as medidas relativas à implantação do polo naval, a Seplan deve informar à Justiça qualquer ato que envolva as comunidades, sob pena de descumprir a decisão judicial.
“Nós não estamos aqui para parar o desenvolvimento do Estado. Nós queremos que o Estado cresça, mas nós queremos também ser respeitados”, afirmou Francisco Silva, presidente da Associação de Moradores da Comunidade São Francisco do Mainã, que também participou do seminário.
Devem ser realizadas ainda, com o apoio do MPF/AM, reuniões de capacitação dos moradores, nas próprias comunidades, a respeito da Convenção nº 169/OIT, para que eles possam participar ativamente da construção do plano de consulta. As datas das próximas reuniões serão definidas posteriormente.
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