Filho de Sebastião Salgado cria vitrais multicoloridos para uma igreja na França
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REIMS, FRANÇA (FOLHAPRESS) - "Se as minhas fotografias resistirem muito, cem anos depois da minha morte, é algo heroico. Mas os vitrais dele vão estar lá por milhares de anos." Sebastião Salgado, de 81 anos, um dos maiores fotógrafos do mundo, fala de um projeto que o emociona a instalação de vitrais concebidos por seu filho Rodrigo na igreja do Sacré-Coeur de Reims, 130 quilômetros a leste de Paris.

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A escolha é um reconhecimento da arte de Rodrigo, que nasceu com síndrome de Down há 45 anos e tornou-se um pintor prolífico.
Além dos vitrais, será inaugurada na mesma igreja, no dia 24 de maio, uma retrospectiva de sua obra, nunca antes exposta. A curadora é a mãe de Rodrigo, a arquiteta e ambientalista Lélia Wanick Salgado, de 78 anos.
Devido ao Down, Rodrigo fala muito pouco. "Ele vive em um mundo de silêncio", conta o pai. Apesar disso, sempre teve grande autonomia. Além da pintura, diz a mãe, há anos ele pratica boxe e faz aulas de piano e violão.
Nos últimos tempos, porém, começou a apresentar problemas de memória e de coluna, que tiraram boa parte dessa independência. Lélia vai às lágrimas ao falar da saúde do filho, inquietação constante de pais e mães de pessoas com Down. "É um envelhecimento precoce. Isso tudo é difícil, viu?" Os Salgados têm outro filho, o cineasta Juliano, de 51 anos.
A igreja modernista do século 20 onde estão sendo instalados os painéis de Rodrigo foi convertida há cinco anos em oficina de vitrais. O ateliê Simon-Marq, em atividade desde 1640, é um dos mais importantes do mundo. Nele serão feitos seis novos vitrais para a recém-reaberta catedral de Notre-Dame, em Paris.
O conjunto de dezesseis vitrais formará uma espécie de "Via Láctea" ondulante e multicromática, transmitindo um pouco da personalidade de Rodrigo aos visitantes do edifício. "Instalar um vitral é como instalar uma alma que vem habitar uma igreja", diz a diretora-geral do ateliê, Sarah Walbaum.
A reportagem visitou o ateliê e acompanhou o paciente trabalho de fabricação dos vitrais. Cada um é composto por cerca de mil pedaços de vidro de 24 cores diferentes. Cortá-los, montá-los e soldar as canaletas de chumbo que os sustentam exige o trabalho de pelo menos oito pessoas durante uma semana inteira. A técnica usada, diz Walbaum, é a mesma desde a Idade Média.
A ideia da instalação dos vitrais foi de Pierre-Emmanuel Taittinger, um dos donos do ateliê e herdeiro de uma tradicional família de produtores de champanhe Reims é famosa pelo espumante. Ele se aproximou dos Salgado em 2008, quando pediu que fizessem o design de uma coleção especial de garrafas.
Certo dia, vendo os desenhos de Rodrigo na casa da família, Taittinger sugeriu transpô-los para o vitral.
A sensibilidade de Taittinger para a arte de Rodrigo pode ter sido influenciada por um precedente familiar. A mãe dele, Corinne Deville (1930-2021), também foi uma pintora compulsiva, que nunca expôs. Recentemente, a originalidade de seu estilo, que se aproxima do "naïf", vem ganhando apreciação da crítica.
Na França, termos como "arte bruta", "arte singular" ou "arte espontânea" costumam ser usados para definir artistas inclassificáveis como Rodrigo ou Deville que, por diferentes motivos, produzem obras intensamente pessoais, fora das convenções artísticas habituais.
Para Sebastião Salgado, Rodrigo seria reconhecido como um grande artista, não fosse o Down: "A vida dele foi pintar."
Ele enxerga quatro fases na obra do filho. A primeira é marcada pela cor, distribuída com domínio espontâneo em quadriláteros assimétricos. Foram desenhos desse estilo, feitos com caneta-pincel, os escolhidos para compor os vitrais.
Na segunda fase, Rodrigo aprendeu a pintar em acrílico, no ateliê do renomado pintor francês Michel Granger, amigo da família. Os quadros desse período têm uma composição que impressionou Granger.
A terceira e a quarta fases evidenciam sinais do declínio da memória. Os desenhos vão ficando progressivamente escuros, com traços que se sobrepõem e formam uma massa densa e quase impenetrável.
Não passou despercebida ao fotógrafo, notório adepto do preto e branco, a ironia do pendor do filho pela cor. Um dia, porém, Rodrigo o surpreendeu ao presenteá-lo com um desenho inteiramente nestes tons. "Foi uma homenagem a mim", conta Sebastião, lembrando o que o filho lhe disse, em francês: "Tião, noir et blanc".

ASSUNTOS: Arte e Cultura