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Mesa na Flip debate relações entre sexo, a diversidade religiosa e a política

Por Folha de São Paulo

11/10/2024 19h30 — em
Arte e Cultura



PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - Quem defende que religião e política não se discute pode se escandalizar: Bruna Maia e Anna Virginia Balloussier trouxeram o sexo -outro tabu- para a mesa de debates da Casa Folha na Flip nesta sexta-feira (11). Começaram reconhecendo que são temas espinhosos, mas disseram haver mais espaço para falar sobre diversidade sexual e religiosa hoje.

"A gente tem essa ideia dos religiosos como 'pudicos', mas o quanto isso acontece na vida real? Eles estão aí casando cedo, consumindo romances com conteúdo sexual, por isso evito fazer grandes afirmações", disse Maia, autora da coluna X de Sexo, na Folha de S.Paulo.

"A reforma protestante começou, em partes, porque Martinho Lutero queria transar", respondeu Balloussier, autora de "O Púlpito: Fé, Poder e o Brasil dos Evangélicos" e repórter especial da Folha de S.Paulo, arrancando risos da plateia.

Entre suas reivindicações, o líder religioso do século 16 defendia o fim do celibato, ainda hoje imposto aos padres, na igreja católica, e desobrigado para os pastores evangélicos.

Balloussier perguntou à plateia quantos eram evangélicos, e se espantou ao notar que apenas dois levantaram a mão. Para ela, que se intitulou como advogada do sagrado na conversa, racismo religioso e intolerância religiosa são coisas distintas.

"A gente vê muito racismo religioso, inclusive quando retrata Jesus como uma pessoa que se parece comigo, com pele e olhos claros. É impossível ele ser assim. Mas é elitista essa impressão de que a religiosidade afro-brasileira deveria falar pelos negros do país, sendo que a maioria dos evangélicos é negra, enquanto vemos um embranquecimento dos terreiros."

Para Maia, que defendeu a dependência entre sagrado e profano, religiões cristãs e de matriz africana exalam, à sua maneira, o desejo secular.

"Eu sempre achei muito fácil ver o profano, tanto no catolicismo quanto na religião de matriz africana. A de matriz africana, em tese, é um tipo de religião que aceita muito mais a diversidade sexual. O catolicismo sempre foi uma religião que associei com uma hipocrisia muito forte", disse, ao citar como exemplo a Pomba Gira, caracterizada por uma sexualidade marcante e geralmente associada à prostituição.

E, em resposta a quem acha que os crentes são todos caretas, Balloussier defendeu que não: "'Cântico dos Cânticos' [livro bíblico do antigo testamento] é quase um 'sexy hot' da Bíblia. Foi um pastor que me cantou isso", disse.

"Há muito mais autonomia na fé evangélica do que parece", acrescentou. Pablo Marçal, figura que tem movimentado o noticiário nos últimos meses, tem muito a ver com esse movimento, segundo ela. "Quando a gente pensa na verve antissistema, tem a ver com isso. Ele acredita que não precisa de uma igreja para estar com Deus. Ele conseguiu pescar uma parte jovem que não quer mais saber de instituição."

Ela explicou que foi Santo Agostinho -que os evangélicos não consideram santo, mas os católicos, sim-- foi quem inventou o sexo como se entende hoje. "Ele cria a ideia do pecado original e coloca o marido como dominador do desejo da mulher."

Já para os evangélicos, grupo que ela insiste em frisar ser diverso, há essa ideia de que o prazer e o sexo são instrumentos divinos para que o ser humano procrie e seja também feliz.

Ela citou o pastor Claudio Duarte, conhecido por suas pregações sobre relacionamento, como exemplo de que o tema não é necessariamente tabu nas igrejas protestantes. "O mais consensual é o sexo depois do casamento. Há divergências sobre outros temas, como o sexo anal, por exemplo."

Maia citou os fetichistas litúrgicos como um grupo que ela gosta de estudar. "Esse é o ambiente sexual mais cheio de regras que existe, ao mesmo tempo que é safadeza. A gente tem muito o que aprender do BDSM (Bondage, Disciplina, Sadismo, Masoquismo) sobre comunicação e consentimento. Muitas vezes eles estão interessados em coisas que vão muito além da penetração", disse.

A conversa caiu ainda na legalização do aborto, que hoje é visto como pecado por católicos e alas evangélicas, mas já foi considerado um sacramento.

"Nos anos 1970, nos Estados Unidos, uma igreja batista tinha uma gama grande de permissões para o aborto. Isso mudou como uma estratégia política, que surgiu da junção de uma direita cristã com o Partido Republicano", diz Balloussier. "Viram que o aborto era capaz de eletrizar uma base de eleitores."

Para ela, a discussão no Brasil pode ganhar novos contornos entre os evangélicos, já que a ideia de vida a partir da concepção de um embrião pode esbarrar em temas já resolvidos, como a fertilização in vitro. "Esses curto-circuitos vão se formando. Muitos fiéis, casais inférteis, que não puderam ter filhos pela via natural, vão se sentir impedidos do direito de ter filho -que é considerado um direito divino que eles têm."

Maia finalizou falando que o sexo ocupa um lugar mais profano do que sagrado em seus textos. "Analiso o lugar de dominação e submissão do sexo, mas não num sentido de fetiche. Eu estou sempre explorando a dinâmica de poder que existe no sexo na reprodução. Meu trabalho vê o sexo como uma coisa muito mundana, porque ele perde a dimensão sagrada, de conexão, que a gente poderia buscar as vezes. Podemos pensar no sexo como um lugar de diversão. Espero fazer isso nos próximos trabalhos."


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