Novelas de hoje deveriam falar de política, diz Paulo Betti, que volta à Globo com 'Tieta'
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Paulo Betti sempre foi um militante, teve personalidade participativa. Bem como o lema "Para cima com a viga, moçada" (é ele mesmo quem diz isso). Filho mais novo de 15, Betti nasceu em uma senzala no interior de São Paulo. Teve boa educação, consciência política e acabou indo para o teatro, onde pôde expressar suas convicções e ideais.
Em 1989, aos 37 anos, fez sucesso como Timóteo, em "Tieta" (Globo), que voltou às telas da emissora no Vale a Pena Ver de Novo. "Foi certamente o meu personagem mais popular. Então, fico feliz de revê-lo. Fico estimulado a relembrar o momento político que atravessávamos enquanto fazíamos Tieta", diz o ator, em entrevista à Folha de S.Paulo.
A novela foi gravada no ano em que o Brasil fez sua primeira eleição direta após 25 anos de regime militar e elegeu Fernando Collor como presidente. A trama não aborda a redemocratização de forma direta, mas o autor Aguinaldo Silva disse ter investido em uma metáfora sobre a volta da liberdade de expressão: na primeira fase, Tieta foi expulsa de casa pelo próprio pai no dia 13 de dezembro de 1968, data em que foi promulgado o AI-5.
"Uma novela, mesmo que não se passe no momento em que ela está acontecendo, vive muito da pulsação do bastidor, do camarim. E o nosso camarim de Tieta era altamente politizado. Armando Bógus, Paulo José, Yoná Magalhães, Betty Faria, Joana Fomm, José Mayer...", lembra ele.
Betti conta que havia uma animação, uma efervescência nos bastidores, o que acabava sendo passado para as telas: "Isso transpira na novela. Você tinha uma sensação de mais liberdade.".
O ator explica o quanto Lula, adversário de Collor, o representava naquele momento: "Você vê a minha família, minhas irmãs, trabalhando na fábrica. O Lula era o cara que trabalhava na fábrica. Eu sabia o que era o torno, o que era um serrote, um martelo, uma plena, uma chave de fenda". "Eu estava organicamente empenhado na vitória do Lula", disse o ator e petista histórico.
Hoje, mais de 30 anos depois, Betti conta que continua em sua missão política: "Nessa última eleição, eu fiz 400 chamadas de 30 segundos personalizadas para vereadores e prefeitos progressistas em todo o Brasil". "Pago caro por isso. Sou bloqueado em alguns lugares", afirma.
Ele diz sentir falta da efervescência política, das discussões que poderiam aparecer nas novelas atuais: "A TV brasileira devia falar mais próximo da realidade. Por exemplo, assistindo a uma novela das nove, você não tem um momento em que alguém no bar tá discutindo política, mencionando Lula, Bolsonaro ou [Arthur] Lira. Seria interessante se houvesse a citação nominal de personagens".
Quem concorda com ele e quer ver política e arte entrelaçadas pode conferir seu primeiro livro, "Autobiografia Autorizada", uma versão estendida de sua peça homônima, em cartaz há 15 anos nos teatros. O ator escreveu o monólogo quando percebeu que sua história valia a pena ser contada.
"Sou descendente de italianos. Meus avós vieram para o Brasil para substituir os escravos nas plantações. Eram gente muito humilde, que fugia de um momento de crise na Itália. Nasci e fui criado no quilombo, em Sorocaba. Minha mãe era uma mulher de 45 anos e usava um lenço na cabeça, parecia uma mulher de 70, 80. Era benzedeira. Meu pai tinha esquizofrenia". "Aí, acrescente-se a tudo isso, o fato de eu ser um anotador viciado desde criança", acrescentou.
Betti diz que cresceu escrevendo suas vivências, como uma forma de terapia: "Eu tinha necessidade de escrever o que eu estava vivendo. Com 15 anos, eu internei meu pai no hospício. Se eu não escrevesse, eu pioraria, né? Serviu como uma espécie de psicanálise que eu tive com relação ao meu pai, ao ambiente em que eu vivia".
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