Texto de Guarnieri recebe reimaginação musical que mistura a ficção e a realidade
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Entre as fileiras da plateia, mortos voltam à vida. Atrasados para um ensaio, os fantasmas se reúnem em frente aos assentos, prestes a se apresentar para uma nova geração. O dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri lidera figuras que desafiaram a ditadura militar e hoje, no Sesc Bom Retiro, guia os esforços do grupo Teatro do Osso em resgatar uma peça pelo musical.

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Escrita pelo artista em 1973, "Um Grito Parado no Ar" rompe os limites entre a ficção e a realidade ao dramatizar um ensaio que acontece às vésperas de uma estreia. Frente ao elenco, o diretor e personagem Fernando tenta manter o otimismo perante o anúncio de um fracasso.
Seu celular recebe cobranças financeiras e objetos cênicos são retirados por funcionários. Canções dão voz aos que insistem no projeto enquanto a iluminação ameaça cair pela conta de luz pendente.
São vulnerabilidades do fazer teatral que dividem o palco com atores de diferentes idades -com direito à participação da atriz Dulce Muniz, 77, militante política presa em 1970 e ex-membro do Teatro de Arena- e dão continuidade a conflitos não resolvidos pela redemocratização.
"Gosto de chamar minhas peças de 'ato-espetáculos' e trabalhar com uma linguagem sempre adaptada ao seu momento histórico, típica do teatro épico. No caso do 'Grito', esse título nos veio em aula como uma metáfora muito forte. Eu não conhecia o texto e encontrei uma forma de buscar um encontro entre a Teatro do Osso e aquela época", diz o diretor da montagem, Rogério Tarifa.
Ele vive o Guarnieri da cena de abertura e permanece como observador e espécie de mentor espiritual. Tarifa fala sobre a importância da montagem feita pela companhia de Othon Bastos, em 1973, e menciona uma entrevista entre o ator e sua equipe como elemento chave das pesquisas -documentadas em uma exposição virtual no site da companhia- para a nova versão.
"Othon foi muito generoso. Ele pediu que o texto original fosse visto como um roteiro. 'Vocês precisam atualizá-lo para os dias de hoje. Não tentem repetir a peça que fizemos", diz o diretor.
Imagens projetadas sobre o fundo exibem manifestações estudantis e trechos de outras montagens. Cartazes em protesto relembram figuras como os artistas Abdias Nascimento, Heleny Guariba e a socióloga Marielle Franco. São memórias de outro tempo que se inscrevem no presente e reforçam o exercício metalinguístico sobre identidade e luta.
Em 2025, a reimaginação do "Grito" encontra a polifonia de um coro de múltiplas origens e realidades. Além de agregar aos cantos ou assessorar as decisões do coletivo, suas histórias individuais também tem peso. Inseridos às músicas e outras situações dramáticas, os integrantes encontram passagens para falar de si. Eles resgatam um recurso presente já nas primeiras versões da peça: as entrevistas.
A artista sul-africana Nduduzo Siba compartilha sua visão de liberdade. Ela explica como o racismo e anos de uma prisão injustiçada lhe fizeram repensar a vida e entona um canto em língua natal.
Em outra ocasião, Rommaní Carvalho se afasta da banda -sempre presente no cenário- com acordeão em mãos e toma a dianteira do palco. A atriz trans fala sobre os desafios da criação em família religiosa e diz estar frustrada por ainda ter que batalhar por sua natureza.
"Num tempo em que falar se tornou uma bobagem, este manifesto teatral firma um compromisso com seu público. Em uma época em que a tecnologia permite discursos tão desrespeitosos, conseguimos fazer homenagens e resgatar aspectos da nossa história e personalidade. Estamos convidando o espectador a se expressar", diz Muniz.
Ela afirma que a pluralidade é essencial para enfrentar ressurgimentos, quando conflitos como os do Oriente Médio e o possível retorno da direita ao governo brasileiro, em 2026, determinam "uma espada sobre as nossas cabeças".
Isadora Títto, que vive uma das atrizes que se prepara para a estreia iminente, afirma que esse valor também se ancora nas canções. Compostas por Jonathan Silva e sob a direção musical de William Guedes, seriam responsáveis pela poesia do "Grito".
"Eu canto uma música sobre a Renata Pallottini, que viveu a primeira protagonista lésbica do teatro brasileiro. É uma artista que poucos conhecem, mas a inserimos lá. As canções articulam o tempo de modo que perdemos a noção entre o hoje, o ontem, e o amanhã. Elas misturam tudo isso, como se estivéssemos vivendo tudo ao mesmo tempo", diz a cantora e artista.
UM GRITO PARADO NO AR
Quando Sex. e sáb., às 19h30. Dom., às 18h. Até 16/2
Onde Sesc Bom Retiro - Alameda Nothmann, 185, São Paulo
Preço R$ 60, em sescsp.org.br
Classificação 16 anos
Autoria Gianfrancesco Guarnieri
Elenco Isadora Títto, Dulce Muniz e Rubens Consulini
Direção Rogério Tarifa

ASSUNTOS: Arte e Cultura