Eleição em Manaus e rendição da política
- O fato de candidatos entrarem nas chamadas “áreas vermelhas” em Manaus, com a permissão do chefe do tráfico, já configura submissão ou rendição. Quando a política se rende ao crime quem paga o preço dessa rendição é a sociedade.
- Como discutir nessas comunidades políticas públicas voltadas para a segurança, se o Estado não ocupa essas áreas, devolvendo às pessoas a cidadania que elas perderam?
A menos de um ano da eleição para a Câmara Municipal e a Prefeitura de Manaus, os pré-candidatos começam a aparecer. É natural essa disposição em mostrar a cara, mas como em anos anteriores, chama a atenção a falta de conteúdo dos pretensos candidatos e a ausência de propostas. Mostrar a cara não é proibido. A restrição está em pedir votos.
A Lei Eleitoral não impede o debate, a discussão com a sociedade de problemas ligados à segurança e outros temas considerados relevantes. Mas o que se vê são largos sorrisos e um batalhão de seguidores aplaudindo o que seus ‘patrões’ não dizem.
Numa sociedade submetida à lei do silêncio, em zonas sob controle do crime organizado, esse comportamento é até compreensível. Afinal, como discutir segurança em becos e ruelas da Compensa ou Novo Israel, onde “estranhos” só entram com a permissão dos chefes do tráfico ?
Como discutir nessas comunidades políticas públicas voltadas para a segurança, se o Estado não ocupa essas áreas, devolvendo às pessoas a cidadania que elas perderam?
Mesmo o fato de o candidato adentrar essas áreas com a permissão do chefe do tráfico já configura submissão ou rendição. Quando a política se rende ao crime quem paga o preço dessa rendição é a sociedade.
Os políticos sabem disso. Sabem da extensão do problema em Manaus e sabem que comungam de um silêncio cúmplice, na medida em que pedem permissão para adentrar nessas áreas e aceitam as condições impostas para chegar a um eleitorado que na prática não querem de fato representar. Buscam apenas o voto a qualquer preço.
A eleição do próximo ano deve colocar em pauta, necessariamente, o fato de Manaus ser o destino número um das drogas que circulam em verdadeiros comboio pelo rios Solimões e Negro, sendo redistribuída para o resto do País e Europa. Isso só é possível porque os criminosos de alguma forma se infiltraram no sistema político e de controle.
Como é um centro importante de redistribuição, os grupos criminosos se apossam de bairros inteiros, enquanto o estado, como conhecemos, se retrai.
Não é a polícia que vai resolver ou ao menos amenizar esse problema antes que Manaus apresente as mesmas disfunções do Rio de Janeiro, mas a boa política e os bons políticos. Que são poucos, mas ainda existem…
ASSUNTOS: cmm, Crime Organizado, eleições 2024, Manaus
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.