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Invasão de intimidade


Por Raimundo de Holanda

23/10/2023 19h45 — em
Bastidores da Política


  • Se amantes se vigiam, se vizinhos têm uma mórbida curiosidade sobre o que está se passando no apartamento ao lado, imagine quem tem poder para monitorar milhares de pessoas a um só tempo? Os governos. A facilidade é imensa, as oportunidades também.
  • Há 20 anos no Amazonas já se falava em maletas israelenses em mãos de arapongas.

Leonor era ciumenta. Achava que estava sendo traída por Roberto e instalou um aplicativo espião no celular do marido. Roberto já havia sido chamado de corno por um vizinho durante uma discussão. Relevou, mas ficou confuso, perdido, noites sem dormir. Resolveu instalar um aplicativo espião no celular de Leonor. Resultado, ninguém era fiel. Roberto conseguiu monitorar Leonor e copiar as conversas mais do que íntimas que mantinha com o amante. Leonor conseguiu fotos da amante do marido e videos que mostravam que ele trabalhava mais com a outra - que era mais nova, mais viçosa, mais gostosa. Numa conversa franca, dividiram culpas, mas não se separaram. Começaram uma experiência nova, a três…

Se amantes se vigiam, se vizinhos têm uma mórbida curiosidade sobre o que está se passando no apartamento ao lado, imagine quem tem poder para monitorar milhares de pessoas a um só tempo? Os governos. A facilidade é imensa, as oportunidades também. 

O celular deixou de ser uma caixinha de segredo inexpugnável. A criptografia é uma lenda, conversa  fiada vendida para convencer incautos. Na prática, estamos sendo vigiados por absoluta opção: quando usamos aplicativos de navegação, como o Waze ou mesmo o mapa google. 

Mas governos vão mais além. Burlam regras, invadem intimidade. E isso ocorre há muito tempo. Não é uma prática apenas do governo Bolsonaro, agora revelada, mas de todos os governos, inclusive os estaduais. Há 20 anos no Amazonas já se falava em maletas israelenses em mãos de arapongas.

Há um ano a Secretaria de Inteligência do Amazonas, que mantinha sob seu poder o Guardião, um aparelho de escuta com tecnologia israelense, foi alvo de uma operação do Gaeco, porque, entre outras coisas, os policiais utilizavam o equipamento para ouvir, monitorar, chantagear criminosos e obter parte do ouro roubado de terras indígenas. 

Na prática, esses aparelhos comprados sob o argumento de que seriam  utilizados para combater o crime organizado, acabam servindo a interesses menores, políticos, pessoais, quando não de quadrilhas incrustadas no aparelho do Estado.

A vida de todos os brasileiros está exposta. Quem ouve pode ter bons propósitos, mas certamente o que ouve será utilizado para fins não republicanos, de destruição de imagem e  violação da intimidade de adversários. 

Se há governos, como o do Amazonas, que alegam não possuir esses aparelhos, não basta dizer que não têm ou que  não fazem mau uso deles. É preciso submetê-los a uma rigorosa auditoria - e isso vale para equipamentos em poder do Ministério Público e da Polícia Federal. Nessa questão de espionagem, ninguém é santo.

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ASSUNTOS: abin, espionagem, Gaeco. Amazonas, maletas, PF

Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.