O coronavírus fez a compaixão mergulhar dentro de nós
Vi nos últimos dias muitas famílias chorar seus mortos, enterrados em valas comuns, ao lado de outros corpos. Quem estava ali, acompanhando, tinha uma história, sonhos que terão que ser adiados, filhos que nunca mais verão seus país, esposas que perderam seus companheiros ainda jovens. E ao final do enterro coletivo, que se repete a cada dia, vi muitos sairem do cemitério a pé, em longas caminhadas, carregando seu fardo.
Os vi acenar para um ou outro carro pedindo carona. A resposta era um olhar distante e o motorista acelerando...
O medo fez a compaixão mergulhar dentro de nós. Medo do contágio, que também enterrou a solidariedade que julgávamos ser o ultimo elo com o nosso semelhante, a última centelha de humanidade que havia em nós. E isso parece que foi irremediavelmente perdido.
O que houve com a gente ?
Esse vírus despertou nosso egoísmo e nos agarramos nesse sentimento pequeno para fugirmos do outro, porque só nós importa. Nós, nossos filhos, nossos sonhos.
Nós que podemos nos isolar, nos proteger, encher nossa geladeira de frango, carne e verduras.
Nós que respiramos o ar mais puro, que usamos luvas e máscaras. Nós, nós e nós.
O que está faltando é eles. Eles que precisam de saúde pública e não encontram, eles que morrem porque o ar é controlado e dado a poucos. Eles que nem enterrar seus mortos com dignidade podem.
O EXEMPLO DE ARTHUR VIRGÍLIO
Em meio à pandemia de loucura que domina as ações políticas no país, um momento de lucidez veio do prefeito de Manaus, no início da semana. “Eu estou empenhado em salvar vidas, e não em fazer política”, foi sua resposta ao pedido de intervenção federal no Amazonas.
Mesmo tomando medidas contrárias ao pensamento do presidente Jair Bolsonaro, Arthur colocou suas cartas na mesa diante do vice-presidente Hamilton Mourão, em reunião no CMA.
Agiu como o chefe político de mais de 2 milhões de pessoas, cuja cidade é um dos epicentros da pandemia do COVID-19 no país, sem assistência devida dos governos estadual e federal.
Mostrou o que fez com os recursos que dispõe; pediu o que lhe compete pedir em nome de Manaus. E exigiu o que lhe cabe exigir em nome do Pacto Federativo que unifica o país.
Disse ao general Mourão que o abandono da saúde no Amazonas alcançou um patamar intolerável, e que o momento não é mais de planejar “enquanto vemos as pessoas morrerem”.
Os enterros em vala comum começam a ser uma prática em Manaus. Mas a intervenção assusta, porque não sabemos de que modo ela viria: para melhorar ou piorar esse estado já caótico.
ASSUNTOS: COVID-19, ENTERRO EM VALAS, mortes em Manaus, OMS, prefeito de Manaus, Coronavírus
Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.