Sobre o assassinato do motorista Luiz Alves e a casa com a porta aberta
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Voltar para casa não é apenas um desejo. É recompor um caminho que nos separa do trabalho, do lazer e dos encontros com os amigos. A casa é o destino da gente - é onde nos despimos do que não somos, onde retiramos a maquiagem que aparentemente nos renova lá fora. Em casa somos nós mesmos, sem máscaras, e nunca estamos sozinhos.
Há sempre alguém que nos espera - os filhos, a mulher, às vezes mãe, ansiosa e triste, sempre antevendo uma tragédia. Quando não voltamos, a casa morre, se despedaça e a família se desintegra.
Conheço muita gente que saiu de casa ao amanhecer sem se despedir e que não retornou. Conheço famílias que choram ausências imprevistas.
Gente tragada duplamente pela violência crescente que tornou a vida na cidade mais frágil. Gente sem voz transformada em estatística de homicídios insolúveis.
Luiz Pinheiro Alves, o motorista assassinado na madrugada desta segunda-feira em Manaus, é uma das pessoas que não retornarão e a casa da qual era esteio pode desabar.
Luiz foi privado de ver o sol da manhã surpreendido por um homem que atirou contra ele e foi embora.
Em uma cidade onde tudo está à venda - inclusive o assassinato de pessoas, regiamente tabelada - a vida faz todo sentido. E nenhum…
E a violência não é um caso exclusivamente de polícia, mas da total ausência de respeito à vida dos outros. Ódio, intriga, inveja, falta de amor, de humanidade mesmo produzem esse quadro desolador. E, nesse ponto, não cabe pedir mais segurança, pois se cada um não controlar seu ódio, seu rancor por perdas sentimentais ou não, qual policia pode controlar a violência?
Muitos Luiz não voltaram para casa hoje. Mas e amanhã, seremos nós? Um de nossos filhos?
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Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.