Sobre o preto no branco e a cartilha ‘infantil’ do TSE
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O Brasil é o País do “politicamente correto”, mas o mais desigual e não menos hipócrita. Como não prioriza a educação - base para a mudança da mentalidade atrasada de um povo “ignorante por natureza”, recorre a leis cada vez mais severas para acabar, por exemplo, com o racismo - que é latente na sociedade brasileira.
O lançamento da Cartilha “Expressões Racistas, por que Evitá-las”, chancelada pelo Tribunal Superior Eleitoral, é o retrato desse mesmo atraso e de um olhar vesgo sobre um problema histórico que está ligado intrinsecamente a formação do povo brasileiro. A cartilha pode ser acessada no site do tribunal.
Ela expõe expressões que recomenda que não sejam utilizadas por supostamente estarem “carregadas de racismo estrutural”. Como é patrocinada pelo TSE - o que é estranho, por não ser essa a função da Corte - por enquanto as expressões aparecem como sugestão de não uso. Mas é um passo para que projetos de leis apareçam suprimindo-as dos dicionários e tornando seu uso criminoso.
Não faz sentido banir, por exemplo, a expressão “a coisa tá preta”, porque os autores da cartilha entendem que se refere a coisa de preto, "uma forma racista de definir serviços mal feitos ou desagradáveis”. Até a palavra denegrir consta na cartilha como sugestão de não uso, uma vez que seu significado , no entendimento de seus editores, “é tornar negro”.
A expressão banir é usada frequentemente na cartilha. Banir palavras e expressões. Mas o preconceito não será extinto com a criminalização do uso de expressões. Onde os autores veem preconceito, há costumes, há história, há folclore, há evolução da própria linguagem.
Não vamos adiante. É uma infinidade de bobagens, retrato de um País que não assume o racismo evidente na sociedade e nem busca a melhor maneira de lidar com o problema: a educação.
O livreto não trata, como deveria, da formação das crianças em idade escolar, não sugere nem propõe mudanças nos currículos escolares básicos para que se una os pedaços de um País dividido também pela cor. Mas serve para abrir um debate sobre o Brasil que queremos - o que a cartilha não mostra - mas é um sinal onde erramos até mesmo quando a intenção é mudar, é construir, é buscar a igualdade.
Você já deve ter lido e ouvido, mas vamos reproduzir abaixo algumas expressões que a Cartilha sugere sejam banidas por "revelarem preconceito"...
- A coisa tá preta
- Barriga suja
- Boçal
- Cabelo ruim
- Chuta que é macumba!
- Cor de pele
- Criado-mudo
- Crioulo
- Da cor do pecado
- Denegrir
- Dia de branco
- Disputar a negra
- Esclarecer
- Escravo
- Estampa étnica
- Feito nas coxas
- Galinha de macumba
- Humor negro
- Inhaca
- Inveja branca
- Lista negra
- Macumbeiro
- Magia negra
- Meia-tigela / de meia-tigela
- Mercado negro
- Mulata
- Mulata tipo exportação
- Não sou tuas negas!
- Nasceu com um pé na cozinha
- Nega maluca
- Negra com traços finos
- Negra de beleza exótica
- Negro de alma branca
- Ovelha negra
- Preto de alma branca
- Quando não está preso está armado
- Samba do crioulo doido
- Serviço de preto
- Teta de nega
- Volta pro mar, oferenda

Raimundo de Holanda é jornalista de Manaus. Passou pelo "O Jornal", "Jornal do Commercio", "A Notícia", "O Estado do Amazonas" e outros veículos de comunicação do Amazonas. Foi correspondente substituto do "Jornal do Brasil" em meados dos anos 80. Tem formação superior em Gestão Pública. Atualmente escreve a coluna Bastidores no Portal que leva seu nome.