Em artigo no New York Times, Caetano Veloso vê 'tempos sombrios' com eleição de Bolsonaro
RIO - O cantor e compositor Caetano Veloso fez um alerta para o que chamou de "uma onda de medo e ódio" caso Jair Bolsonaro (PSL) seja eleito presidente no neste domingo. Em artigo publicado no jornal americano "New York Times", intitulado "Tempos sombrios se avizinham para meu país", o artista ressalta que "forças sombrias" internas e externas atentam contra um Brasil "aparentemente maduro", mas que "está longe" de ser sólida democracia. Caetano atribuiu o avanço da extrema-direita à decadência da vida política, mas rechaçou a ideia de que o PT seja ameaça autoritária semelhante ao do adversário. Ele criticou a violência de motivação política que tirou a vida do capoeiristaMoa do Katendê, ressaltou suas memórias de preso e exilado da ditadura e frisou que, mesmo em um eventual governo do militar, não deixará o país de novo.
Nesta terça-feira, Caetano defendeu Mano Brown das vaias de petistas ( Assista ao vídeo). Em comício, o rapper ressaltou que o PT "vai pagar o preço" por falhar na comunicação com eleitores. O compositor ressaltou que a fala do colega era um alerta da necessidade de alcançar o povo "hipnotizado pela onda" (bolsonarista). A análise de Caetano no "NYT" se iniciou com citação ao compositor Antonio Carlos Jobim, segundo o qual "o Brasil não é para principiantes".
Na visão do cantor, a exemplo de outros países no mundo, o Brasil "enfrenta uma ameaça da extrema-direita, uma tempestade de conservadorismo populista". Bolsonaro, a quem classificou como "novo fenômeno político", é descrito como admirador do presidente americano Donald Trump, mas parecido com o filipino Rodrigo Roa Duterte. O compositor criticou a proposta de legítima defesa automática a policiais que matarem "suspeitos" e a declaração do presidenciável de que prefere um filho morto a um filho gay.
Gritos de tortura
"Nós já vimos sangue", escreveu o cantor, em referência ao amigo Moa do Katendê, mestre de capoeira esfaqueado por um apoiador de Bolsonaro após uma discussão política na Bahia. Com o cenário atual, Caetano diz que tem pensado muito sobre os anos 1980, quando os brasileiros lutavam por eleições diretas e contra 20 anos de ditadura militar. Na ocasião, ele disse que não acreditava que o país pudesse eleger, algum dia, pessoas como Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que "ajudaram milhões a escaparem da pobreza".
Caetano ressaltou que a vida política está em declínio há algum tempo - a começar pela crise econômica, pelos protestos de 2013, o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e um "grande escândalo de corrupção que colocou vários políticos, inclusive Lula, na cadeia". O cenário afetou PT e PSDB, e a extrema-direita "encontrou uma oportunidade" e Bolsonaro ascendeu como "figura mítica", escreveu. Este processo, segundo ele, contou com uma ideologia reacionária de ataques a políticas progressistas como "pesadelo da Venezuela" ou supostos riscos a princípios religiosos e morais. Ele frisou que não é eleição de dois extremos.
"Muitos na mídia mainstream ignoram o fato de que Lula respeitou as regras democráticas e que Bolsonaro repetidamente defendeu a ditadura militar de 1960 e 1970", escreveu Caetano, que ressaltou a defesa do militar ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. "Nos anos 1960, a junta militar aprisionou e prendeu vários artistas e intelectuais por suas visões políticas. Eu era um deles, ao lado de meu amigo Gilberto Gil".
ASSUNTOS: Bolsonaro, caetano veloso, eleicoes, Brasil