Condenado, homem que atacou mulheres no ônibus em SP nunca foi tratado
SÃO PAULO — A família de Diego Ferreira de Novais, de 27 anos, não se surpreendeu quando viu reportagens na TV sobre a prisão do rapaz, acusado de abusar sexualmente de uma mulher dentro de um ônibus em São Paulo no fim de agosto.
Para eles, Diego, que sempre foi apático, ficou com comportamento compulsivo e “cabeça fraca” após um acidente de carro em 2006. A Justiça também já sabia que o jovem tem problemas mentais. Em um processo de 2016 a que O GLOBO teve acesso, ele foi considerado inimputável, ou seja, incapaz de entender os crimes que pratica. Após avaliação de peritos, foi sentenciado a tratamento psiquiátrico ambulatorial por no mínimo dois anos. Nunca cumpriu a pena.
Se Diego tivesse passado por médicos, talvez outras mulheres não tivessem sido vítimas de seus abusos. Mas polícia, Ministério Público e a própria Justiça ignoraram o histórico criminal do rapaz a cada novo episódio em que ele se envolveu — os dois últimos ocorreram em um intervalo de dois dias e o levaram à cadeia no sábado passado. Hoje, ele está isolado em uma cela e ameaçado de morte no bairro pobre onde cresceu, na periferia da Zona Sul da capital paulista.
Antes de ser preso pela última vez, Diego já era alvo de 14 procedimentos criminais e havia recebido cinco sentenças da Justiça paulista, todas por mostrar o pênis ou esfregá-lo em vítimas dentro do transporte coletivo. Apenas uma condenação teria sido cumprida à risca, segundo levantamento do GLOBO: em 2011, o rapaz pagou R$ 270 em multa por ter molestado a vítima M.V.R.
Nem a família de Diego sabia de todo esse histórico judicial. De origem humilde, seus pais nunca o levaram a um especialista que pudesse tratá-lo, mesmo após o acidente que, para eles, mudou o comportamento do filho. O rapaz estava no banco do passageiro de um carro sem cinto de segurança. Com a batida, foi jogado para fora do veículo. Socorrido de helicóptero, passou por três cirurgias e ficou duas semanas em coma, diz sua mãe Iracema Novais, de 49 anos.
— No começo, ele ficou normal. Foi essa batida de carro que mudou tudo. Os miolos deles ficaram para fora — diz a dona de casa, que é prima do marido, Salvador Ferreira Novais, de 66 anos, e acredita que isso pode ter contribuído para os problemas do filho.
Os primeiros sinais de que Diego não era o mesmo apareceram em 2009, quando Salvador acordou às 2h da manhã com o telefonema de um policial militar dizendo que ele estava tentando se jogar de um viaduto da Avenida Sumaré, na Zona Oeste da capital. Até então, demonstrava ser um bom garoto, embora tenha crescido um menino quieto, que preferia ficar sozinho a ter companhia dos sete irmãos. Gostava mais de assistir aos episódios do Chapolin Colorado do que de jogar bola na rua. Não era de brigas e, fora a apatia que demonstrava nas aulas, nunca trouxe reclamações da escola. Os pais relatam que ele chegou a iniciar o ensino médio, mas o colégio onde afirmam que o filho estudou só recebe alunos até o 5º ano do ensino fundamental.
A única foto do menino Diego foi apagada pela ação do tempo e a mãe jogou fora. Um arrependimento da família que agora lamenta a imagem do filho estampada nos jornais e na televisão, o que o coloca em risco. Vizinhos afirmam que Diego está proibido de voltar ao local onde mora por ameaça do crime organizado. Os irmãos, envergonhados, agora tentam convencer o pai a vender a casa sem acabamento, o único bem da família, e se mudar.
Até a divulgação do caso do abuso dentro do ônibus na Avenida Paulista, ninguém sabia direito quem era Diego na vizinhança. Era quase um desconhecido até para a própria família. Em casa, só conversava o estritamente necessário. Quando saía, dizia que estava indo para entrevistas de emprego que nunca terminavam com uma contratação.
Aos parentes, chegou a contar que trabalhou em um açougue e em uma empresa de distribuição de água. Também frequentava o Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus. A segurança da instituição religiosa mantém um registro de quem já provocou problemas nos cultos. Diego, que se converteu quando esteve preso por três meses em 2013, não está entre eles.
O GLOBO também teve acesso a sete dos termos circunstanciados assinados por Diego em delegacias após ser flagrado em algum caso de abuso sexual. Em 12 de junho, o delegado Ricardo Prezia, do 78º DP, escreveu que Diego possui “traços nítidos e claros de debilidade, representando sério risco à sociedade no que tange a crimes sexuais”. E alertou: “(ele) não irá parar, conforme mostram suas passagens pela polícia”.
Além da sentença que determinou tratamento psiquiátrico e daquela que lhe aplicou uma multa, há outras quatro condenações. Em 2013, ele foi sentenciado a pagar um salário mínimo, embora não haja nenhum registro de pagamento no fórum. No ano seguinte, recebeu pena de quatro meses de prisão em regime aberto, mas a Defensoria Pública recorreu à segunda instância e a apelação ainda não foi julgada. Em 2016, foi condenado a 28 horas de trabalho comunitário — também não há registro do cumprimento da pena. E, por fim, embora inimputável, foi condenado a dois anos de prisão em regime fechado na última semana.
Para o professor de criminologia e direito penal da USP Maurício Dieter, a Justiça não tem instrumento nem qualificação para dar conta de casos assim:
— É demais esperar respostas inteligentes da Justiça para assuntos complexos como esse. O Judiciário apenas absolve ou condena.
ASSUNTOS: abuso sexual, estuprador, São Paulo, Brasil