Igrejas fazem campanha em cultos com pedidos de votos dissimulados em orações
RIO - No culto da noite da última quarta-feira, na catedral da Igreja Universal do Reino de Deus, em Del Castilho, o bispo Jadson Santos andava de um lado para o outro do púlpito, parecendo inconformado com a fiscalização eleitoral em um templo em Realengo, na Zona Oeste. Segundo ele, houve uma busca de propaganda eleitoral por lá, mas nada foi encontrado. O assunto serviu como gancho para que abordasse o tema, afirmando que a igreja era alvo de “perseguição”. Sob os olhares de centenas de fiéis, ele espalmou as mãos no ar, mostrando os dez dedos, e disse:
— Se eu fizer assim, vai dar problema.
O gesto simbolizava o número dez do PRB, partido dos principais candidatos apoiados pela igreja. Baseado em denúncias e dados de relatórios de inteligência, o TRE-RJ intensificou as ações nas últimas semanas, mas ainda não fechou um balanço das autuações. O GLOBO percorreu 11 igrejas, em cinco dias, e encontrou casos em que o pastor chega a pedir voto, muitas vezes simulando orações para candidatos.
A cena mostra o incômodo que vem causando a algumas lideranças religiosas a decisão do juiz coordenador da Fiscalização da Propaganda Eleitoral do TRE-RJ, Mauro Nicolau Junior, em proibir propaganda nas igrejas. Foi emitido um aviso, no último dia 10, no qual a veiculação de propaganda nos templos e nas imediações, além de abordagens aos fiéis que comparecem aos cultos, são atos que caracterizam uma ilegalidade no âmbito eleitoral. O infrator está sujeito a sanções que vão da apreensão do material à interdição das igrejas.
O presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-RJ, o advogado Eduardo Damian, explica que o aviso traz uma questão que está na lei há anos: a proibição de propaganda eleitoral em qualquer local de uso comum. Segundo ele, o pedido de voto pode vir claramente ou por meio de expressões subliminares, que indiquem que aquele candidato é o escolhido pelo líder religioso:
— Neste caso, entendo que a situação estaria configurada. Não houve o pedido de voto expressamente, mas há a confirmação de que ele é o candidato.
No caso do bispo Jadson Santos, da Universal, de maneira dissimulada, ele comentou que não poderia mais ler o livro de Deuteronômio (capítulo 10), mais uma vez numa referência ao número do partido da igreja, sem precisar pronunciá-lo:
— Você vê. A guerra está tão grande que tem um livro da Bíblia que eu não posso nem pregar esta tarde, que é Deuteronômio. Tive que terminar o culto assim (mostra os punhos fechados). Porque se eu fizesse assim (levanta as mãos com os dez dedos à mostra), ia dar problema.
Em nota, a Igreja Universal do Reino de Deus afirma discordar “da exclusão de milhares de lideranças evangélicas de todas as denominações, que representam mais de 70 milhões de pessoas, de participarem do processo democrático que deve incluir o direito de expressar opiniões políticas”. Já o PRB diz que "atos litúrgicos não dizem respeito às atividades deste partido". E complementa: "em respeito à legislação eleitoral, não faz qualquer propaganda eleitoral em qualquer bem de uso comum".
No estacionamento da igreja, em Del Castilho, a escolha da liderança religiosa está clara: dezenas de carros com o adesivo dos candidatos do PRB colados nos vidros traseiros. Para o Senado, Eduardo Lopes; para deputado federal, Marcelo Crivella Filho, e para estadual, Danniel Librelon. Na Assembleia de Deus de Madureira, também na Zona Norte, no culto do último domingo, falava-se na escolha de bons candidatos, principalmente os que sejam contra o aborto e a diversidade de gênero. No pátio do templo, há vários carros com o adesivo de Danielle Cunha, filha do ex-presidente da Câmara preso na Lava-Jato, Eduardo Cunha.
Propaganda nos veículos dos fiéis da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do pastor pentecostal Silas Malafaia, na Penha, demonstra que a situação se repete. Lá, o irmão do líder religioso, o candidato a deputado estadual Samuel Malafaia (DEM) e o evangélico Sóstenes Cavalcante (DEM), que tenta ser reeleito deputado federal, são os preferidos. Silas faz campanha para o candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSL).
Aliás, Bolsonaro tem sido o candidato predileto de algumas igrejas. Em um culto na Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, no dia 19 de agosto, o pastor Josué Valandro Jr recebeu o deputado federal. A mulher do candidato, Michele, é membro da congregação. No vídeo da celebração, com mais de um milhão de visualizações, o pastor afirmou:
“Que nem os hackers consigam mudar, oh Deus, aqueles votos das urnas. Que ninguém consiga, de alguma maneira, desfazer o propósito melhor para a nossa nação. Capacita Jair Bolsonaro. E que em outubro tenhamos uma resposta do céu sobre a vida do teu filho. E querendo, senhor, no dia 1º de janeiro, este seu filho suba a rampa do Planalto para começar uma nova história do Brasil”.
Na sexta-feira retrasada, o pastor Bernardo Batista, da Igreja Internacional da Graça de Deus, em Duque de Caxias, pediu pela saúde de Bolsonaro, mas não esqueceu de pedir oração aos filhos do missionário da congregação, RR Soares, candidatos a deputado federal e estadual pelo DEM.
De acordo com o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 42,3 milhões, ou 22,2% dos brasileiros, declararam-se evangélicos.
O juiz Mauro Nicolau ressalta que os templos só podem ser usados como local de expressão da fé:
— O culto traduz um momento em que a relação entre a pessoa e Deus ou entidade que corresponda à fé que professa se afirma e reforça, pois nele o encontro com Deus se faz presente pelo diálogo. Não se trata, portanto, do momento nem do local apropriados para se realizar propaganda eleitoral.
O teólogo Antônio Carlos Costa, fundador do Rio de Paz, disse estar perplexo com o uso dos templos para propaganda política:
— Acima de tudo, por ver pessoas que se dizem cristãs. Isso toca em dois valores fundamentais: democracia e evangelho. Eles estão usando o cristianismo para endossar ideais totalitários.
Já o Bispo Robson Rodovalho, presidente da Igreja Sara Nossa Terra, diz que a decisão dos tribunais não é democrática nem constitucional:
— Por que só os pastores? E os cantores, os artistas que têm o seu público? Estão cerceando apenas um segmento. Vamos provocar isso no STF. Até entendo que tenham que inibir os excessos. Mas os fiéis percebem quando o pastor está exagerando.
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