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Perfil: Luislinda Valois, da periferia de Salvador à Esplanada dos Ministérios

Por Agência O Globo

12/12/2017 19h12 — em
Brasil


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BRASÍLIA — Motivo de constrangimento na relação do PSDB com o governo , a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, sempre brigou na vida para driblar os obstáculos a sua ascensão de menina negra e pobre da periferia de Salvador, para procuradora, juíza, desembargadora e agora ministra de estado. Orfã aos 14 anos de mãe lavadeira, neta de escravos, ajudou o pai motorneiro de trem a criar os outros três irmãos. Como juíza do Tribunal de Justiça da Bahia, em 2011, teve que recorrer ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para garantir a promoção ao cargo de desembargadora.

Apesar do currículo respeitado, Luislinda virou alvos de críticas após assumir o cargo, principalmente pelo pedido de acúmulo de salário e pela resistência à pressão do PSDB para sair do governo — .

O primeiro emprego foi como datilógrafa do antigo DNER e teve a carteira assinada pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek. Estudou filosofia , teatro e Direito. Passou em primeiro lugar no concurso da Advocacia Geral da União e depois no concurso para procuradora. Mesmo passando em primeiro lugar, a nomeação não foi na Bahia, mas no Paraná. De volta a Bahia, fez outros concursos e foi nomeada juíza do Tribunal de Justiça em 1984. Alegando ser preterida por ser negra, em entrevistas de TV contou que chegou a pensar em suicídio quando um dos dirigentes do TJ disse que sua hora ainda não tinha chegado, mesmo cumprindo todos os requisitos de meritocracia.

Essa parte do seu currículo gerou polêmica quando foi nomeada ministra e apresentada e exaltada nas entrevistas, portais do governo e do PSDB como a primeira juíza negra do Brasil. Ela nunca negou e apareceram juízas negras mais antigas do que ela na Bahia, onde sua história registra ser a terceira juíza negra do estado. Antes dela vieram a desembargadora aposentada Mary de Aguiar Silva, de 91 anos, que virou a primeira juíza negra em 1962. Em seguida, Alexandrina de Almeida Santos, nomeada juíza em 1967.

Questionada, em entrevista ao jornal “Folha de São Paulo”, a ministra diz que não pesquisou sobre outras pioneiras negras e que nunca corrigiu as pessoas que a creditavam assim porque ia ter que "sair no mundo inteiro dizendo isso".

Outra polêmica envolve um prêmio falso da Organização das Nações Unidas (ONU) como embaixadora da paz em 2012. O prêmio, entregue em Viena, na verdade, foi concedido pela ONG Federação para a Paz Universal, ligada ao coreano reverendo Moon, uma das milhares de organizações não governamentais que apoiam ações da ONU. Em uma entrevista concedida ao ser admitida como membro da academia paranaense de letras, Luislinda explicou a confusão:

— Eu estava em Sergipe, arrumando algumas coisas com meu filho domingo à tarde, quando eu recebi a ligação perguntando se eu aceitava receber este prêmio. Eu disse, é brincadeira, não é pra mim. E aí meu filho, que fala inglês, eu muito pouco, disse: minha mãe, é que a ONU quer prestar uma homenagem. Eu disse , bom, uma homenagem não se rejeita. E aí eles me disseram que eu ia receber um título de embaixadora da paz diante de tantos projetos sociais que tenho desenvolvido Brasil afora e com repercussão no exterior

A ministra tem um livro publicado: “O negro no século XXI”. Como juíza em Salvador, criou o programa Balcão de Justiça e Cidadania, um ônibus itinerante que aproximava o Judiciário da população que vivia em bairros afastados, seguida da instalação de cortes em regiões marcadas pela violência contra a mulher. Recebeu o prêmio da revista “Cláudia” e a Camélia da Liberdade, em reconhecimento a personalidades que promovem ações de inclusão social de afrodescendentes. No Paraná, como procuradora, também desenvolveu projetos sociais e recebeu o prêmio Pinhão de Ouro, do governo do Estado.

Mostrada em entrevistas como exemplo de mulher determinada, símbolo da população três Ps — preto, pobre e periférico —, Luislinda repete sempre uma história de sua infância pobre da periferia de Salvador: aos nove anos, um professor de desenho rejeitou o material inadequado comprado pelo pai e a aconselhou a ir cozinhar feijoada em casa de brancos. Conta que respondeu ao professor que ia estudar, virar juíza e voltar para prendê-lo. Ao contar a volta por cima e os percalços enfrentados por ser negra, a ministra chora.

Adepta do candomblé, filha de Iansã, a ministra fala, em vídeos postados na internet, de sua obstinação e determinação, o que explica também sua resistência em deixar o ministério apesar de toda a pressão do PSDB.

A ministra se diz corajosa e impetuosa e só não enfrenta seu Deus e seus santos.

— Tenho um orixá muito forte, tenho Iansã que me guia e digo sempre: gente, não brinque comigo , não me magoa, não apoquente a minha cabeça porque Iansã está na minha frente — diz Luislinda, completando: — Se eu tomo uma chibatada de manhã, ao meio dia, quando tomo a chibatada da noite sai da frente que aí eu vou com vontade de vencer, aí eu vou buscar o que pretendo e o que é meu.

Em entrevista ao apresentador Jô Soares, ela defendeu cota para negros em todos os tribunais. Aposentada como desembargadora, assinou a ficha de filiação ao PSDB na gestão do então presidente Aécio Neves, em 2013. Em junho de 2016, para responder as críticas de falta de mulheres em sua equipe, Michel Temer a nomeou para ocupar a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial. Ela foi depois promovida, pelo então ministro da Justiça, Alexandre Moraes, a ministra dos Direitos Humanos. Atendia ao perfil reivindicado pelas minorias: mulher e negra.

No portal do PSDB, a biografia da ministra diz que, “além da causa negra, a desembargadora milita também pelos direitos dos homossexuais, das religiões de matriz afro e das vítimas do tráfico de pessoas. E, recentemente, na defesa da população albina”.

Muito premiada e com apoio de entidades de direitos humanos internacionais, Luislida caiu em desgraça há dois meses, quando entrou com uma petição na Casa Civil pedindo acumulação integral do salário de desembargadora aposentada, de R$ 30.471, com o de ministra, de R$ 30.934. Isso somaria vencimentos totais mensais de R$ 61.405, quase o dobro do teto do funcionalismo público. Além do teto de R$33.7 mil, como ministra, Luislinda tem direito a moradia em apartamento funcional, veículo com motorista e uso de jatinhos da FAB para suas viagens pelo país.

Mas o que mais causou indignação na opinião pública foram declarações de Luislinda tentando justificar o acúmulo de salário e aposentadoria. Disse que "quem trabalha sem receber é escravo". Também disse que o cargo de ministra implicava em muitas despesas com maquiagem e vestuário. Acabou desistindo da petição.

— A ministra Luislinda é uma figura controversa, tem uma atuação pífia. Como pode dizer que, recebendo um salário de R$30 paus tem vida de escravo. É ridícula — diz o coordenador da rede Direitos Humanos Net (Dhnet), Roberto Monte, uma das 400 entidades associadas ao Movimento Nacional dos Direitos Humanos.

A ministra foi procurada pelo GLOBO mas não quis se manifestar.


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