Projeto que pode tornar o Brasil exportador de urânio ganha primeira licença
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - A Cnen (Comissão Nacional de Energia Nuclear) concedeu nesta sexta-feira (24) a primeira licença para a mina de Santa Quitéria, que pode tornar o Brasil exportador de urânio, mineral que produz combustível para usinas nucleares.
A licença, que autoriza o local da mina, ainda não garante o início do produção, mas é considerada um marco importante no projeto, que começou a ser debatido há mais de dez anos. Ocorre em um momento em que a energia nuclear voltar a ganhar espaço no mundo.
Localizada em Santa Quitéria (CE), a jazida é concedida à INB (Indústrias Nucleares do Brasil), estatal responsável pela produção de energia nuclear. Para desenvolver a produção, a empresa fez uma parceria com a Galvani, que ficará com o fosfato contido na jazida.
A previsão dos sócios é que a produção da mina possa chegar a 2,3 mil toneladas de urânio e a um milhão de toneladas de fosfato por ano. O volume de urânio é mais de 20 vezes superior à produção nacional hoje. O fostato é matéria-prima para fertilizantes, produto em que o Brasil é dependente de importações.
Após a primeira licença, a Cnen ainda avalia a permissão de implantação do projeto. Depois disso, o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) precisa dar o seu aval.
O presidente da INB, Adauto Seixas, disse à Folha que a previsão é de início das operações em 2027, caso todo o licenciamento seja concluído neste ano. O investimento previsto é de US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,5 bilhões).
A produção nacional de urânio está hoje na casa de 110 toneladas por ano, extraídos em Caetité (BA). O volume representa cerca de um quarto do consumo das duas usinas nucleares em operação no complexo de Angra dos Reis (RJ).
"O que Santa Quitéria produzirá de urânio dá para atender Angra 1, 2 e 3 [ainda em debate no governo], uma demanda somada de 900 toneladas por ano, e ainda exportar", afirmou Seixas.
A INB estima que o projeto garanta uma receita de R$ 29 bilhões durante sua vida útil. Seixas diz que os planos são usar a arrecadação adicional para investir em uma instalação para gaseificar o material, única etapa da produção de combustível nuclear que o Brasil não domina.
Os recursos poderiam também ampliar a capacidade brasileira de enriquecer o urânio, etapa que é realizada na fábrica da INB em Resende (RJ).
Após uma onda de fechamento de instalações iniciada com acidente em usina no Japão, a energia nuclear voltou à mira de países que querem reduzir o uso de combustíveis fósseis. A suspensão das exportações de gás russo impulsionou planos de investir no setor.
A França, por exemplo, anunciou em abril a intenção de construir 14 novas usinas nucleares. O anúncio foi feito pela ministra de Transição Energética do país, Agnes Pannier-Runacher. O objetivo, disse ela ao jornal La Tribune Dimanche, é reduzir de 60% para 40% a participação de fósseis na matriz energética do país.
"Na política energética, muitas vezes faz falta que as estrelas se alinhem. No caso da energia nuclear, há uma espécie de tempestade perfeita", afirmou à Folha em janeiro o diretor-geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), Rafael Grossi.
Seixas, da INB, afirmou que a estatal vem sendo procurada por países em busca de urânio. A companhia tem ainda direitos minerários sobre outras jazidas do mineral e também planeja buscar sócios para investir na área, em modelo semelhante ao adotado em Santa Quitéria.
Uma delas, Gandarela, em Minas Gerais, tem urânio e ouro. Outra, Figueira, no Paraná, tem também carvão e molibdênio (usado na fabricação de ligas de aço). O projeto mais promissor é Rio Cristalino, no Pará, apenas com urânio de alta qualidade.
A gestão atual da estatal tem apostado nesse modelo de parcerias para garantir investimentos e ampliar receitas. Em abril, lançou a última etapa de uma oferta pública para arrendar instalações de processamento de monazita (usada na produção de catalisadores, vidros especiais e ligas metálicas) no Rio de Janeiro.
O parceiro vai trazer o minério da Bahia e processar nos equipamentos da INB por uma taxa equivalente a 1,5% da receita. A empresa estima uma receita de R$ 2 milhões por mês.
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