BC não vai segurar câmbio no peito, não é assim que funciona, diz Galípolo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O diretor de Política Monetária e futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmou nesta segunda-feira (2) que a autoridade monetária não vai "segurar o dólar no peito", descartando uma possível intervenção no câmbio.
A declaração ocorre em meio a uma disparada da moeda americana no Brasil, que renovou mais uma vez seu maior patamar nominal da história ao fechar a sessão desta segunda cotada a R$ 6,06.
O movimento ainda reflete a frustração do mercado com o anúncio do pacote corte de gastos feito pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), embora fatores externos também tenham contribuído para a valorização do dólar.
Nos últimos dias, o Banco Central chegou a receber críticas por não fazer qualquer intervenção para evitar a depreciação do câmbio.
A presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, afirmou em rede social na última sexta (28) que Roberto Campos Neto, atual presidente da autoridade monetária, não fez nada para conter o que chamou de "especulação" que levou o dólar a R$ 6 após o anúncio da nova faixa de isenção do IR.
"Era obrigação da 'autoridade monetária' intervir no mercado contra a especulação desde seu previsível início, com leilões de swap, exigência de depósitos à vista e outros instrumentos que existem para isso. É um crime contra o país", disse Gleisi.
O economista André Perfeito, em vídeo publicado no X (ex-Twitter), também apoiou que o Banco Central atuasse sobre o câmbio para reduzir a volatilidade do dólar e colocar "água na fervura".
Galípolo, no entanto, reforçou nesta segunda que o BC só atua no câmbio se houver disfuncionalidade.
"É uma discussão que às vezes vai surgir, de que o país tem US$ 370 bilhões de reservas, por que não segura [o dólar] no peito? Quem está no mercado e está assistindo sabe que não é assim que funciona", disse o diretor.
Ele previu, ainda, que pode ser necessário manter a Selic (taxa básica de juros) elevada por mais tempo. "A economia está mais dinâmica, com desemprego em mínimos históricos e o real desvalorizado. Isso indica a necessidade de uma política monetária mais restritiva por mais tempo", disse, durante evento com investidores promovido pela XP.
No início do mês, o Banco Central decidiu intensificar o ritmo de alta e elevou a taxa em 0,5 ponto percentual, de 10,75% para 11,25% ao ano. A manutenção de juros num patamar restritivo também já foi criticada por integrantes do governo, incluindo o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Galípolo comentou sobre os efeitos da política fiscal recente, sugerindo que ela pode ter impulsionado o consumo e, consequentemente, a inflação. "Talvez a progressividade da política fiscal tenha colocado mais dinheiro na mão de pessoas com propensão a gastar", analisou. "E isso acabou se revelando num dinamismo superior ao que a gente imaginava."
O diretor afirmou que o principal objetivo do Banco Central agora é "reancorar as expectativas" inflacionárias do mercado, já que as projeções para 2025 e anos seguintes estão acima da meta oficial de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual.
Ele reforçou que o Banco Central tem os meios necessários para atingir a meta e que a possibilidade de alterá-la não está em discussão.
"Esse é um não tema para diretor de Banco Central, diretor do Banco Central persegue meta, não tem debate sobre. É a determinação da meta. Já manifestei essa minha opinião várias vezes e é isso para gente. Já temos bastante coisa para olhar e se preocupar. O Banco Central tem instrumentos para cumprir [a meta]."
Sobre a reação do mercado ao pacote de corte de gastos anunciado na semana passada pelo governo federal, Galípolo disse que houve uma volatilidade inicial "no sentido de digerir as informações", com a surpresa de mudança na tributação. "No início, houve uma dúvida se o IR [Imposto de Renda] estaria correlacionado com os gastos". Ele acredita que o Ministério da Fazenda seguirá explicando o pacote, com transparência.
Anunciado na quinta-feira, o pacote -que prevê uma economia de R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026- decepcionou os agentes financeiros por excluir medidas de maior impacto fiscal e incluir a elevação para até R$ 5.000 na faixa de isenção de Imposto de Renda.
A apresentação das duas propostas ao mesmo tempo, em um momento de grande expectativa pelos cortes de gastos, passou a mensagem de que preocupação do governo é mais política do que econômica, o que afetou a segurança sobre os ativos brasileiros.
"O anúncio pouco detalhado acerca do IR se tornou, perante ao mercado, o ponto fraco do pacote, uma vez de R$ 35 bilhões deixarão de ser arrecadados e não se sabe ao certo quais serão os benefícios trazidos à política fiscal brasileira", diz João Duarte, sócio da One Investimentos.
A leitura geral é de que há uma grande crise de confiança em curso.
"A trajetória incerta da dívida pública e a dificuldade em restaurar a confiança dos investidores aumentam a vulnerabilidade da economia brasileira, pressionando ainda mais o real. Esses fatores internos, combinados com o cenário global, criam um ambiente em que o dólar tende a se valorizar no curto prazo", avalia Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital.
Além das preocupações fiscais, o cenário internacional também contribuiu para forte subida do dólar nesta segunda, com as novas ameaças tarifárias do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, dando força à divisa em todo o mundo.
No sábado (30), o republicano exigiu que os países membros do Brics se comprometam a não criar uma nova moeda ou apoiar outra divisa que substitua o dólar, sob pena de sofrerem tarifas de 100%.
Trump já havia afirmado anteriormente que também imporia tarifas de 25% sobre produtos do México e do Canadá em seu primeiro dia de governo se os países não resolverem problemas ligados a imigração e tráfico de drogas na fronteira. O presidente eleito também prometeu aumentar em 10% as taxas aplicadas à China.
Nesse cenário, o dólar teve alta de 1,07% nesta segunda, terminando o dia cotado a R$ 6,066, seu maior patamar histórico. No ano, a divisa a acumula alta de 25%.
Ainda que o valor seja recorde na base nominal -a que desconsidera a inflação do cálculo-, a maior cotação real foi atingida em setembro de 2002, na esteira da primeira eleição de Lula. Corrigido pela inflação, o valor do dólar naquela ocasião seria hoje o correspondente a R$ 8,75.
A conta, feito pela consultoria Elos Ayta, considera a cotação da Ptax -a taxa de câmbio calculada pelo BC (Banco Central)- e ajustes pela inflação brasileira (IPCA) e norte-americana (CPI) até novembro de 2024.
Já a Bolsa fechou em queda de 0,34%, aos 125.235 pontos.
ASSUNTOS: Economia