Congresso resiste a ir além no pacote de corte de gastos
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O Congresso Nacional resiste a endurecer as medidas de corte de gastos propostas pelo governo, na contramão da expectativa inicial de agentes do mercado financeiro de que os parlamentares iriam incluir medidas mais fortes ao pacote de ajuste fiscal de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As negociações dos últimos dias no Legislativo apontam para um afrouxamento do impacto fiscal da PEC (Proposta de Emenda à Constituição).
O relator da PEC, Moses Rodrigues (União Brasil-CE), afirmou à Folha que irá elaborar um texto de consenso. "Estamos ouvindo e discutindo com parlamentares, sociedade civil organizada, membros de todas as carreiras incluídas na PEC. Nós vamos construir com diálogo e não temos intenção de endurecer, de maneira alguma, a proposta original", disse.
Por outro lado, um grupo de parlamentares, insatisfeitos com as medidas fiscais do governo, defendem que o Congresso deveria tomar à frente na iniciativa, por meio de medidas de reforma nos gastos obrigatórios previstas numa PEC alternativa, elaborada por consultores do Congresso e defendida pela Frente Parlamentar do Empreendedorismo.
Essa ala é minoritária, já que os deputados temem apoiar propostas de maior austeridade fiscal por receio de impacto negativo nas suas imagens.
Os trabalhos legislativos acabam no próximo dia 22, e o governo corre contra o tempo para tentar aprovar o pacote, sem deixá-lo desidratar
Dentre pontos do pacote que devem sofrer mudança, segundo parlamentares ouvidos pela reportagem sob reserva, estão a destinação de verbas do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), a proibição de deduções não previstas em lei no BPC (Benefício de Prestação Continuada) e o corte nos supersalários do Judiciário.
Diante da escalada do dólar e dos juros futuros, críticos da PEC do ministro Fernando Haddad (Fazenda) defendem medidas como o aperto nas vinculações de saúde e educação e regras mais duras de acesso a benefícios, como o seguro-desemprego, abono salarial e auxílio-doença.
Mas, de acordo com pessoas ouvidas pela Folha que negociam o pacote no Congresso, a chance de que o texto aprovado seja mais duro do que o enviado é praticamente zero.
Negociadores do governo buscam barrar o impacto fiscal de um afrouxamento das alterações propostas nas regras de acesso do BPC (Benefício de Prestação Continuada), concedido a idosos e deficientes de baixa renda e até mesmo no abono salarial. Mas ajustes já são dados como certo.
O Executivo também já admite que o corte nos supersalários do Judiciário pode ser flexibilizado, uma vez que o dispositivo é alvo de forte lobby dos magistrados, como mostrou a Folha.
Um integrante da equipe do presidente Lula, que participou da elaboração do pacote fiscal, disse à reportagem que era equivocada a narrativa de especialistas do mercado e de parcela da imprensa de que as medidas não tinham impacto e que o Congresso iria apertar as medidas.
O auxiliar de Lula ressalta que a articulação do governo pretende mostrar que o pacote não é tímido e terá impacto fiscal.
Entre as medidas já apresentadas pelo governo, o projeto de lei e o projeto de lei ordinária, que tratam de mudanças no salário mínimo e do pente-fino do BPC, dentre outros temas, já tiveram sua urgência aprovada e podem ir ao plenário da Câmara, mas a PEC ainda não começou a andar.
A expectativa de alguns parlamentares é que isso comece a acontecer na próxima segunda-feira (16).
Os três textos teriam que ser votados até o fim da próxima semana, e deputados divergem sobre se haverá tempo hábil para isso.
O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), um dos signatários da PEC alternativa, chegou a ser cotado para relatar uma das propostas do governo e se reuniu com outras lideranças para debater o tema.
Houve um encontro, por exemplo, com o secretário-executivo a Fazenda, Dario Durigan. Durante a reunião, porém, houve discussão entre deputados e o secretário, quando Durigan afirmou que o governo de Jair Bolsonaro (PL) protagonizou um calote no pagamento de precatórios, o que hoje pesa nas contas do governo Lula.
Joaquim Passarinho (PL-PA), que era da base do governo Bolsonaro, reagiu em defesa da medida, que à época foi validada pelo Congresso.
O receio de que Pedro Paulo pudesse adotar medidas muito rígidas caso fosse relator da PEC do corte de gastos e alongasse a apresentação do relatório fez com ele fosse descartado para o posto, segundo um parlamentar envolvido nas negociações.
Lideranças partidárias e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiram pelo nome de Rodrigues.
O ajuste fiscal pode ser o último ato de Lira como presidente da Câmara, enquanto o deputado pleiteia espaço na Esplanada dos Ministérios de Lula.
Já o provável novo líder da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), não se posicionou publicamente sobre o tema até aqui.
Alguns parlamentares ainda tentam emplacar medidas mais rígidas de corte de gastos. Eles afirmam que, com o fim da presidência de Lira na Câmara, no ano que vem, pode ser que o cenário se torne mais favorável para o andamento dessas restrições.
"O objetivo do Parlamento, no chão de fábrica do Congresso, você tem essa compreensão de que o ajuste é insuficiente. Quero ter esperança, com uma nova arrumação de forças na Câmara, nos próximos três meses, a gente consiga fazer esse reposicionamento do papel do Legislativo na formulação de projetos para o Brasil, em especial na econômica e na área fiscal", afirmou Pedro Paulo.
O deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) reclama que o governo não dialogou com os parlamentares, nem com os setores, para elaborar seu pacote fiscal.
"Na hora que o Executivo chamar o Legislativo para essa construção, não tenho dúvida que o Parlamento vai participar. Agora, engolir, a toque de caixa, numa véspera de final de ano, de recesso parlamentar, um pacote pronto, que mais desagrada do que agrada, fica difícil", afirma.
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