Desonerações criadas ou prorrogadas sob Lula têm impacto acumulado de R$ 261,2 bilhões até 2027
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Na contramão do discurso do governo e de parlamentares sobre a necessidade de cortar incentivos fiscais para melhorar as contas públicas, foram criadas ou prorrogadas 46 desonerações tributárias no biênio 2023-2024. O impacto acumulado será de R$ 261,2 bilhões até o final de 2027.
Os dados foram retirados do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária) de 2025 e levam em consideração desonerações criadas até 26 de agosto, quando a proposta foi encaminhada ao Congresso Nacional.
No ano que vem, estarão em vigor 265 benefícios tributários 183 deles possuem vigência indeterminada, o que pode dificultar a redução das renúncias de receitas no futuro.
A reportagem procurou a Receita Federal e os ministérios da Fazenda e do Planejamento para comentar o aumento das desonerações, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
Os números reforçam a máxima citada por economistas que estudam o tema: é fácil criar incentivo tributário no Brasil, mas difícil encerrá-los.
Uma emenda constitucional aprovada em 2021, mais conhecida como PEC emergencial, determinou ao governo a apresentação de um plano para levar os incentivos a 2% do PIB (Produto Interno Bruto) em oito anos.
No primeiro ano, o corte deveria ser de 10% do estoque. Como a emenda blindou da tesourada seis dos maiores benefícios e não estabeleceu punição no caso de descumprimento do comando constitucional, a medida não saiu do papel.
O assunto voltou ao radar da política econômica porque os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) querem promover um corte desses incentivos, na tentativa de buscar o equilíbrio das contas públicas e depois resultados superavitários.
O governo precisa aumentar as receitas para cumprir as metas fiscais de déficit zero no ano que vem e superávit de 0,25% do PIB em 2026.
Uma das ideias apresentadas pela ministra Tebet, em entrevista à Folha de S.Paulo, é reduzir os incentivos tributários, financeiros e creditícios de 6% para 2% do PIB numa escala ao longo de oito anos, por meio de uma nova proposta para substituir a emenda constitucional que não funcionou.
"Tenho muita dificuldade em conseguir imaginar uma redução muito substancial das desonerações, principalmente quando a gente olha os episódios recentes. É muito fácil conceder benefício, mas existe uma resistência muito grande em reduzir", diz a diretora da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado Federal, Vilma Pinto, que tem artigos publicados sobre o tema.
Para ela, o primeiro passo para o governo enfrentar o problema é trabalhar para não aumentar os benefícios. Ela cita que o CMAP (Conselho de Avaliação de Políticas Públicas) do Ministério do Planejamento e Orçamento já tem algumas políticas de desonerações avaliadas, com propostas de reformulação, que deveriam ser aproveitadas e tornadas efetivas.
A diretora avalia que falta transparência nas políticas, que acabam por minar o benefício potencial para a sociedade.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo vai abrir mão de arrecadar R$ 543,7 bilhões em 2025 com a concessão de benefícios tributários a empresas e pessoas físicas. O montante representa um aumento de R$ 20 bilhões em relação ao valor estimado de renúncias neste ano.
A pressão pelo aumento das desonerações e também a resistência em fazer cortes partem do Congresso, mas também de setores do próprio governo.
O governo Lula começou em 2023 já com a concessão de um desconto (bônus) para a redução dos preços dos automóveis e incentivo à renovação da frota de caminhões e ônibus com mais de 20 anos de uso. O desconto foi dado diretamente ao consumidor, e as montadoras receberam um crédito do PIS/Cofins. A medida teve custo inicial de R$ 1,5 bilhão. Depois, uma medida provisória ampliou o desconto com uma desoneração adicional de mais R$ 300 milhões.
O Mover (Programa Mobilidade Verde e Inovação) é outra proposta de desoneração aprovada pelo Congresso com custo de R$ 3,5 bilhões (2024), R$ 3,8 bilhões (2025) e R$ 3,9 bilhões (2026). Ele é um incentivo para a indústria automobilística visando a implementação de uma frota menos poluente no país.
Há casos peculiares como a concessão de remissão (perdão) total dos créditos tributários relativos às importações de produtos automotivos do Paraguai e uma renúncia de R$ 503 milhões
O governo também propôs e o Congresso aprovou a criação da LCD (Letra de Crédito do Desenvolvimento) para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) captar recursos no mercado. O título tem alíquota zero do Imposto de Renda Incidente na Fonte (IRRF) sobre os rendimentos auferidos por pessoa física.
Esse é um dos benefícios tributários que não têm prazo para acabar. A estimativa de renúncia é de R$ 312,46 milhões (2024); R$ 937,38 milhões (2025) e R$ 1,24 bilhão (2026).
Outra lei aprovada autoriza a concessão de quotas diferenciadas de depreciação acelerada para máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos novos, um tipo de incentivo para a indústria. A renúncia foi calculada em R$ 626, 3 milhões neste ano e R$ 1 bilhão em 2025.
Do lado do Congresso, as maiores pressões foram para a desoneração da folha de pagamento das empresas de 17 setores e dos municípios, que gerou uma grande embate com governo, que buscou o STF (Supremo Tribunal Federal) para exigir medidas de compensação.
Um dos grupos beneficiados com a desoneração é o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha de S.Paulo. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.
Algumas medidas de compensação foram aprovadas, mas a equipe econômica conta com a aprovação de novas medidas, como o aumento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e JCP (Juros sobre Capital Próprio).
A prorrogação do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), criado durante a pandemia da Covid-19, também partiu de pressão do Congresso. As estimativas apontam uma renúncia fiscal de R$ 10,8 bilhões (2024), R$ 5,6 bilhões (2025) e R$ 2,5 bilhões (2026).
"Cortar gasto tributário politicamente é o mais difícil, porque existem lobbies aguerridos", diz Guilherme Cezar Coelho, fundador da Samambaia.org, instituto dedicado a políticas para crescimento econômico e redução de desigualdade de renda.
Na sua avaliação, o excesso de desonerações é certamente um ponto no qual o Brasil está errando na política fiscal. "Estamos abrindo mão de 20% dos impostos", ressalta. "Dinheiro que está sendo gasto sem transparência", diz Coelho.
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