Dólar bate novo recorde a R$ 6,06 em reação a pacote de Haddad e ameaças de Trump ao Brics
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O dólar disparou mais uma vez nesta segunda-feira (2) e atingiu a cotação de R$ 6,066, novo recorde nominal para a moeda norte-americana.
A alta de 1,07% teve o pacote de ajuste fiscal do governo e as novas ameaças tarifárias do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, como pano de fundo. Na sexta-feira, o dólar atingiu a marca de R$ 6 pela primeira vez na história.
Ainda que o valor seja recorde na base nominal -a que desconsidera a inflação do cálculo-, a maior cotação real foi atingida em setembro de 2002, na esteira da primeira eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Corrigido pela inflação, o valor do dólar naquela ocasião seria hoje o correspondente a R$ 8,75.
A conta, feito pela consultoria Elos Ayta, considera a cotação da Ptax -a taxa de câmbio calculada pelo BC (Banco Central)- e ajustes pela inflação brasileira (IPCA) e norte-americana (CPI) até novembro de 2024.
Já a Bolsa fechou em leve queda de 0,08%, aos 125.558 pontos, segundo dados preliminares.
As medidas apresentadas pelo governo Lula na semana passada seguiram pautando o mercado doméstico.
Anunciado na quinta-feira, o pacote -que prevê uma economia de R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026- decepcionou os agentes financeiros por excluir medidas de maior impacto fiscal e incluir a elevação para até R$ 5.000 na faixa de isenção de Imposto de Renda.
A apresentação das duas propostas ao mesmo tempo, em um momento de grande expectativa pelos cortes de gastos, passou a mensagem de que preocupação do governo é mais política do que econômica, o que afetou a segurança sobre os ativos brasileiros.
"O mercado aguardava um indicativo de responsabilidade sobre os gastos, e pegou muito mal falar de isenção do IR no mesmo anúncio sobre os cortes. Foi uma medida política, enquanto os investidores esperavam uma postura mais rígida do governo", diz Pedro Caldeira, sócio da One Investimentos.
A Fazenda estima que o aumento da faixa de isenção terá um impacto de cerca de R$ 35 bilhões na arrecadação federal. Isso será compensado, segundo o ministro Fernando Haddad, por uma alíquota mínima de 10% no IR para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o equivalente a R$ 600 mil por ano -proposta conhecida como "taxação dos super-ricos".
Além disso, o governo terminará com a isenção para aposentados que tenham problemas de saúde graves e recebam acima de R$ 20 mil ao mês, "entre outros ajustes". De acordo com Haddad, a reforma sobre o IR não fará efeito no fiscal e tem como objetivo assegurar a justiça tributária.
Mas a leitura geral é de que há uma grande crise de confiança em curso.
"A trajetória incerta da dívida pública e a dificuldade em restaurar a confiança dos investidores aumentam a vulnerabilidade da economia brasileira, pressionando ainda mais o real. Esses fatores internos, combinados com o cenário global, criam um ambiente em que o dólar tende a se valorizar no curto prazo", avalia Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital.
Ao longo de novembro, a divisa avançou 3,62%, e, na semana passada, 3,25%. No acumulado do ano, a valorização é de 23,46%, segundo a plataforma CMA.
Na sexta, os líderes do Congresso Nacional tentaram conter a disparada com acenos à responsabilidade fiscal.
Em declarações separadas, os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL), respectivamente, disseram que a proposta da isenção do IR não deve avançar em um futuro próximo.
"Não é pauta para agora e só poderá acontecer" se houver condições fiscais para isso -ou seja, se houver garantia de receitas que compensem a perda de arrecadação, afirmou Pacheco.
As falas apaziguaram parte dos ânimos do mercado, mas o alívio não se sustentou por muito tempo.
"Com a sinalização de que o pacote ainda vai passar por ajustes no Congresso, foi adicionada uma pitada a mais de preocupação. Agora, qualquer fala de autoridade ou decisão do Congresso vai pesar no câmbio, já que o investidor está esperando uma definição mais clara", diz Daniel Teles, especialista da Valor Investimentos.
O governo estava pressionado para apresentar medidas que garantissem o equilíbrio das contas públicas.
Na leitura do mercado, gastos crescentes estavam sendo cobertos com receitas pontuais, chamadas de "arrecadações extraordinárias". A pressão era para diminuir as despesas, e não só achar mais fontes de arrecadação, para que a dívida pública se tornasse mais sustentável.
O pacote de cortes de gastos endereça essa insegurança sobre a dívida pública.
Entre as medidas anunciadas, estão: revisão da regra de concessão do abono salarial; regulamentação dos supersalários; aperto nas regras de acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada); mudanças nas aposentadorias de militares; e limite do crescimento de emendas parlamentares às regras do arcabouço fiscal. Leia a íntegra aqui.
A cena internacional ainda pesou nesta sessão, com investidores projetando os efeitos do novo mandato de Donald Trump na economia.
No sábado, o republicano exigiu que os países membros do Brics se comprometam a não criar uma nova moeda ou apoiar outra divisa que substitua o dólar, sob pena de sofrerem tarifas de 100%.
"Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário, eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana", escreveu em sua plataforma de mídia social, Truth Social.
A leitura é que Trump tem preparado o terreno para o aumento de tarifas e deportações no início do governo, levantando temores de uma guerra comercial ampla.
Desde janeiro deste ano, o grupo Brics tem dez membros plenos. Além de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o bloco teve a inclusão como membros permanentes do Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos.
Na semana passada, Trump ainda disse que vai impor tarifas de 25% sobre produtos do México e do Canadá no seu primeiro dia de governo se os países não resolverem problemas ligados a imigração e tráfico de drogas na fronteira. O presidente eleito também prometeu aumentar em 10% as taxas aplicadas à China.
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