Fundação tenta driblar atravessadores de carbono e expandir projeto no Ceará
FORTALEZA, CE (FOLHAPRESS) - A presença de pessoas que se identificaram como emissários de grandes empresas alarmou funcionários da Fundação Cepema. Em reuniões, pediram a todos os pequenos produtores rurais da região de Irauçaba, no sertão do Ceará, que não assinassem qualquer documento.
"São atravessadores de carbono visitando as propriedades, pedindo que os donos das terras deem procuração a eles para negociar créditos de carbono", afirma Adalberto Alencar, presidente da fundação.
Houve quem tenha assinado, ele reconhece. Isso dá a terceiros a chance de explorar, no futuro, o mercado de créditos de carbono em nome do agricultor, repassando royalties que Alencar classifica como "irrisórios".
Isso é tudo o que ele deseja evitar. Em agosto do ano passado, foi lançado pela Cepema o projeto de carbono social no semiárido cearense. É o primeiro projeto do país a ser certificado pela Fundação Plan Vivo, ONG sueca que apoia ideias destinadas a proteger e restaurar o meio ambiente, combater a emergência climática e assessorar comunidades sensíveis ao aquecimento do planeta.
A Plan Vivo também comercializa certificados de carbono.
"São 1.600 pessoas que participam do projeto por enquanto. A agricultura do Nordeste está em declínio e nós temos de criar sistemas mais resilientes. A produção de alimentos está ameaçada, os preços subiram. É uma questão de soberania alimentar. Conseguimos parceiros locais e internacionais", afirma Alencar, que apresentou seu projeto no último mês no Expolog, simpósio de logística realizado em Fortaleza.
A Fundação Cepema fez parceria com o Imatec (Instituto do Meio Ambiente, Segurança do Trabalho, Prevenção e Combate a Incêndios do Ceará). Pretende chegar, em 2025, a 5.000. São 400 mil famílias cearenses que se dedicam à agricultura familiar. A experiência em Irauçuba é considerada o projeto-piloto.
Estão no início também ações na região da Serra da Ibiapaba, quase na divisa com o Piauí, e no sertão de Quixadá.
Alencar espera que, com a certificação da Plan Vivo, o projeto esteja pronto para vender os créditos de carbono para o exterior e, talvez, no Brasil, daqui a 12 meses. O mercado formal de créditos foi criado com a aprovação pela Câmara dos Deputados, em 19 de novembro, de projeto de lei sobre o tema. Falta a sanção do presidente Lula.
A Fundação Cepema sabe precisar apresentar resultados não apenas para parceiros, mas para os pequenos produtores. Além da ameaça dos atravessadores, existe a necessidade de explicar para os proprietários rurais como eles podem ganhar dinheiro preservando água, madeira e "sequestrando carbono", expressão que não fazia parte do dia a dia da caatinga.
"Eu falei para um morador que a pá na mão dele tinha madeira. Era um depósito de carbono. A madeira está no dia a dia e, se preservada, poderia ser fonte de renda", conta o presidente da Fundação.
Sempre questionado sobre o assunto, ele lembra aos moradores que o valor da madeira varia entre R$ 60 e R$ 120 a tonelada.
"É uma solução econômica para a região. A caatinga sequestra mais carbono que a Amazônia e passa por processo de desertificação", diz.
A certificação da ONG sueca daria credibilidade ao projeto cearense. Isso porque é preciso provar que o carbono existe, não é notícia falsa. Questão de transparência.
Alencar pretende pedir que órgãos controladores do estado acompanhem o projeto, com inspeções todos os anos. A Plan Vivo colocou apenas uma condição, a mesma que impõe a todas iniciativas em que se envolvem: nenhum processo pode ameaçar a produção de alimentos.
"O Brasil tem um mercado [de crédito de carbono] que vai explodir. Empresas públicas como o Banco do Brasil e Banco do Nordeste terão de neutralizar as emissões de suas atividades e precisam fazer isso com os produtores locais. Temos a Cegás [Companhia de Gás do Ceará] que é uma grande emissora de carbono. Estamos oferecendo a possibilidade de neutralizarem isso com os produtores da região", completa Alencar.
O alvo do projeto é a Europa, pelo menos no primeiro momento. Mas a Fundação Cepema vê no carbono social um objetivo regional. Trata-se de acabar com a fome.
"Quase 50% da população do Ceará está abaixo da linha da pobreza. Nosso objetivo é zerar a fome com a construção de sistema de agropecuária alimentar e de certificação florestal. Tudo isso dentro do mercado [de carbono]. Quem preserva a biodiversidade tem de ser pago, quem polui tem de pagar pela recuperação", afirma Adalberto Alencar.
O repórter viajou a convite da organização da Expolog
ASSUNTOS: Economia