Governo reduz bloqueio no Orçamento a R$ 4,3 bi uma semana após indicar trava maior
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou um relatório surpresa na noite desta sexta-feira (29) para reduzir a R$ 4,3 bilhões a necessidade de bloqueio adicional nas despesas do Orçamento de 2024.
A medida ocorre apenas uma semana após o próprio governo indicar a necessidade de conter mais R$ 6 bilhões nos gastos discricionários (que incluem custeio e investimentos) para acomodar o avanço de despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários.
A divulgação foi feita pelo Ministério de Planejamento e Orçamento depois de a mensagem de envio do relatório extemporâneo (nome técnico do documento) ter sido publicada em edição extra no Diário Oficial da União. Não houve aviso prévio de que haveria nova edição do documento, como é praxe nas divulgações que seguem o calendário padrão da publicação bimestral.
O relatório foi editado a tempo de já surtir efeito no decreto de programação orçamentária, que precisa ser publicado até este sábado (30). É nele que o governo formaliza os novos cortes nos ministérios para implementar o bloqueio. A estratégia permite ao Executivo impor um sacrifício menor aos órgãos na reta final do ano.
A decisão, porém, deve contribuir para ampliar o mal-estar do mercado financeiro com o pacote de contenção de gastos anunciado pela equipe econômica sob o comando do ministro Fernando Haddad (Fazenda).
Economistas que já vinham colocando em xeque a disposição do governo em assumir o ônus político de cortar gastos se deparam agora com uma decisão que significa, na prática, menor necessidade de segurar despesas. Se antes o bloqueio total neste ano subiria a R$ 19,3 bilhões, agora ele ficará em R$ 17,6 bilhões.
Para viabilizar o bloqueio menor, o Executivo decidiu zerar os recursos a serem repassados a estados e municípios por meio da Lei Aldir Blanc de incentivo à cultura.
O governo já havia cortado R$ 1,3 bilhão, como antecipou a Folha de S.Paulo, de um orçamento total de R$ 3 bilhões. A decisão agora foi retirar o outro R$ 1,7 bilhão.
O corte é possível graças a uma MP (medida provisória) editada por Lula na última sexta-feira (22). O texto, com vigência imediata, desobriga o governo de fazer repasses de R$ 3 bilhões ao ano até 2027, previstos na lei original. A medida também integra o pacote de contenção de gastos de Haddad.
A redução na previsão orçamentária da Lei Aldir Blanc significa que o Ministério da Cultura não poderá fazer empenhos dessa despesa, ou seja, reservar novos recursos para pagamentos futuros.
O governo, porém, manteve a previsão de um limite financeiro de R$ 1,7 bilhão para repasses à cultura. O espaço pode ser usado para pagar gastos contratados em 2023 nesta ação e que ainda estão pendentes.
Há uma diferença entre os dois limites: o orçamentário é o que conta para o limite de despesas do arcabouço fiscal e é o mais pressionado neste momento, enquanto o financeiro é o que vale para a meta de resultado primário (obtido pela diferença entre receitas e despesas).
Na semana passada, o governo previa um déficit de R$ 28,7 bilhões, muito próximo do máximo permitido (R$ 28,8 bilhões). Agora, o governo reduziu essa previsão para déficit de R$ 27,7 bilhões, abrindo uma folga de R$ 1 bilhão, graças a uma outra manobra sacramentada no mesmo relatório.
A equipe econômica decidiu reincorporar R$ 2,7 bilhões em receitas com o Desenrola para renegociação de dívidas com agências reguladoras, uma semana após excluir a previsão inicial de R$ 4 bilhões. A mudança foi feita com base em uma nota técnica elaborada pela AGU (Advocacia-Geral da União), que "indicou alta probabilidade de ingresso de recursos". A folga poderá ser usada para quitar os repasses à cultura.
O relatório bimestral é um documento previsto na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) cuja função é fazer uma avaliação ampla das receitas e despesas do governo para garantir que as regras fiscais serão cumpridas. Ele tem um calendário fixo de publicação, até o dia 22 dos meses de março, maio, julho, setembro e novembro. A última edição foi divulgada na sexta e detalhada por técnicos em entrevista coletiva na segunda-feira (25).
O governo tem a prerrogativa de publicar um relatório extemporâneo sempre que julgar necessário para reavaliar as contas. No entanto, não é usual a divulgação de um novo documento em um espaço tão curto de tempo. A última vez que houve o envio de um relatório extemporâneo foi no governo de Jair Bolsonaro (PL), em 22 de dezembro de 2022 -um mês após o documento antecessor.
Dos R$ 17,6 bilhões bloqueados pelo governo neste ano, a maior parte (R$ 10,4 bilhões) afeta despesas discricionárias do Executivo. Outros R$ 5,9 bilhões foram travados no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), uma das vitrines do governo para impulsionar investimentos. As emendas de comissão, indicadas por parlamentarem, têm um bloqueio de R$ 1,3 bilhão.
Entre os ministérios, o da Saúde é o mais afetado, com R$ 4,4 bilhões travados. Em seguida vêm Educação (R$ 3 bilhões), Cidades (R$ 2,5 bilhões), Transportes (R$ 1,9 bilhão) e Desenvolvimento Social (R$ 1 bilhão).
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