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Novas embalagens, rótulos e floradas tentam elevar consumo de mel no Brasil

Por Folha de São Paulo

01/07/2024 13h00 — em
Economia



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quem tem hábito de comprar mel já deve ter notado que as gôndolas estão diferentes. Onde antes imperavam os potes de vidro e as bisnagas com bicos amarelos, todas parecidas, estão aparecendo novas marcas, embalagens modernas e rótulos que informam, além da florada, o local de origem do mel.

Essa é a parte mais visível, para o consumidor, de uma profunda transformação que vem acontecendo em parte dos apiários brasileiros.

Disposta a elevar o baixíssimo consumo per capita no país —cerca de duas colheres por ano—, uma nova leva de empreendedores está combinando investimentos em técnicas de manejo apícola com estratégias de marketing capazes de mudar os hábitos do consumidor.

"O mercado estava estagnado há 40 anos. As pessoas compravam mel como commodity, quase sempre em farmácias, como medicamento", diz Daniel Cavalcanti, que acumula as presidências da Abelha (Associação Brasileira de Estudo das Abelhas) e da Baldoni.

Lançada em 2017, a marca é uma das maiores do país e ajudou a sacudir o setor. A última novidade do portfólio, apresentada ao público na feira Apas Show 2024, em maio, é a linha Biomas, com méis da Mata Atlântica, do Cerrado, da Caatinga e do Pampa.

Em termos de volume, o Brasil não está mal na foto. Segundo a Abemel (Associação Brasileira de Exportadores de Mel), o país produziu 42 mil toneladas em 2023, o que garantiu a 11ª posição no ranking dos maiores do mundo.

Mas poderíamos estar bem à frente, não fosse a baixa produtividade. Nossa média anual é de 15 quilos de mel por colmeia, contra os 35 quilos na Argentina —problema que tem sido combatido com investimento na capacitação dos apicultores.

"Mais de metade da produção brasileira está nas mãos de pequenos produtores, que têm menos de 50 colmeias, são resistentes a mudanças e encaram a apicultura como uma fonte de renda secundária", diz Cavalcanti.

O manual de boas práticas apícolas demanda atenção constante às colmeias e manejo adaptado às estações do ano. Proprietário de uma consultoria especializada em apicultura, Carlos Rehder afirma que anotar a produtividade de cada caixa e selecionar apenas as mais produtivas é um bom começo.

A troca periódica da cera dos quadros, ele emenda, também é fundamental. E, sempre que houver menos flores nos arredores do apiário, as abelhas devem ser alimentadas com mel, açúcar ou ração proteica.

"Também recomendo reforçar a alimentação de dois a três meses antes de cada florada, para que as abelhas estejam bem fortes", Rehder sugere.

Bem mais complexa, a técnica de colmeias migratórias, que está por trás da altíssima produtividade dos apiários em países como Estados Unidos e Austrália —entre 50 e 100 quilos por caixa, por ano—, também começa a ser usada por aqui.

"Os apicultores transferem as colmeias de lugar em busca de floradas. Aqui mesmo, em São Paulo, já vi produtores conseguindo três safras de mel por ano", afirma o consultor.

Para os apicultores que seguem a cartilha, o contrato com as novas marcas é garantido. A Baldoni tem apiário próprio, mas adquire mel de 75 parceiros.

Empresas de menor porte, como a Casa Roncador, de Barra do Garças (MT), também trabalham com pequenos produtores —a marca chegou ao mercado em 2016, vendendo apenas mel de florada de acácias, oriundo de apiário próprio, mas estabeleceu parcerias para crescer.

"Quando decidimos ampliar o portfólio, buscamos apicultores que tivessem o mesmo compromisso de produzir mel de origem, assegurando o sabor de cada terroir. Em 2018, nasceu a coleção Sabores do Brasil, cujos rótulos mostram a coordenada geográfica do apiário", conta a proprietária da empresa, Juliana Della Libera.

Quanto maior o alinhamento aos conceitos de sustentabilidade, mais oportunidades. O casal Eugênio e Márcia Basile, proprietário da paulista Mbee, só assina contrato com produtores pequenos, que tenham menos de 100 colmeias, e valorizem a diversidade de floradas na propriedade.

"Tenho parceiros em todo o Brasil, mas o requisito é que não trabalhem com monocultura. Se quero expressar o terroir, qual a graça de oferecer mel de uma única florada? Abelhas precisam de diversidade", defende Eugênio.

Fundador da BeeCo, de Corumbá (MS), o casal Déborah e Marcelo Julião faz diferente. Os dois têm quatro apiários próprios, que somam 400 colmeias, mas firmam parcerias com donos de terras para implantá-los.

"Só escolhemos áreas de vegetação nativa ou bosques de eucalipto, com fonte natural de água corrente. Quando identifico uma nova área, mostro ao proprietário como o apiário vai proporcionar mais mata e mais água, e ainda pago com mel: 1 quilo por ano, por colmeia", conta Marcelo.

Fazer o brasileiro incluir o mel no dia a dia é um dos maiores desafios do setor. No país da doçaria à base de açúcar, crendices e percepções equivocadas a respeito do mel mantêm o consumo baixo – e explicam por que 75% da produção é destinada ao mercado externo.

"O consumidor só valoriza mel claro, como o de laranjeira, embora os escuros tenham sabor mais complexo. E ainda pensa que o produto cristalizado é fruto de adulteração", exemplifica Eugênio Basile. "Pelo contrário, só o mel puro cristaliza."

REFLEXOS DAS ENCHENTES NO RS

Donos de 37% das propriedades rurais brasileiras que se dedicam à apicultura, os gaúchos são responsáveis por 15% da produção nacional de mel, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O perfil dos produtores é o mesmo do restante do país. Eles estão à frente de propriedades pequenas, que sofreram bastante com a tragédia climática que atingiu o estado.

De acordo com Renato Azevedo, presidente da Abemel, muitos perderam as colmeias e todos sentirão o impacto. "Mesmo quem não perdeu a produção terá dificuldades, porque a vegetação foi devastada. Sem flores, as abelhas não têm onde buscar pólen", explica.

A precariedade das estradas e as baixas temperaturas no inverno, emenda Azevedo, agravam a situação.

Os dados oficiais vão demorar a sair, mas as estatísticas referentes às exportações são um bom termômetro, uma vez que o país exporta 75% da produção.

Segundo a Abemel, o volume total de mel exportado pelo Brasil, em maio, foi de 2.833 toneladas —845 toneladas a menos do que foi registrado em abril.

"A relação direta desta queda com a tragédia no Sul ainda é incerta. Mas, pelas conversas com associados, eu diria que ela existe".

GENÉTICA DA APIS MELLIFERA BRASILEIRA É ÚNICA

As abelhas europeias, trazidas de navio por imigrantes europeus que se dedicavam à apicultura, eram mansas e se ambientaram bem por aqui.

Nos anos 1950, porém, o geneticista paulista Warwick Kerr importou abelhas africanas que, por acidente, escaparam e se miscigenaram com as europeias, dando origem às abelhas bravas que conhecemos.

"No início, elas eram ainda mais perigosas, mas se acalmaram nos últimos 30 anos", diz o consultor Carlos Rehder, pós-graduado em apicultura avançada.


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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