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'O jogo não acabou para afastar dominância fiscal no Brasil', diz José Júlio Senna

Por Folha de São Paulo

13/12/2024 11h45 — em
Economia



BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O chefe do Centros de Estudos Monetários do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), José Júlio Senna, diz à Folha de S.Paulo que o jogo não acabou na luta contra a dominância fiscal com a decisão desta semana do Banco Central de elevar a taxa Selic de 11,25% para 12,25%.

O termo dominância fiscal é usado para expressar uma situação na qual a autoridade monetária perde o controle sobre a trajetória da inflação em razão de uma forte expansão dos gastos públicos. Na avaliação de Senna, o BC sozinho não consegue afastar essa ameaça hoje no país, apesar da sinalização de que elevará fortemente os juros.

"A gente ganha tempo. Mas, se não houver uma mudança no comportamento da política fiscal, o assunto volta de novo, com a mesma força", avalia.

Para ele, um dos riscos é que o governo Lula vai fazer o que estiver ao seu alcance para impedir uma desaceleração da atividade econômica até a eleição de 2026. "É pressão inflacionária na veia", prevê.

PERGUNTA - O choque de juros do BC afasta o risco de dominância fiscal na economia?

JOSÉ JÚLIO SENNA - Com certeza é uma resposta importante do BC. Ela indica que ele não vai jogar a toalha. Nos episódios históricos que tivemos no Brasil de dominância fiscal, por exemplo, no período de meados dos anos 60 até 1986, 1987, o BC era inteiramente passivo. Logo após a criação do BC -ali, o Banco do Brasil não tinha perdido as características de autoridade monetária. O país funcionava como tendo dois bancos centrais. O BB tinha poder de emitir dinheiro. Tudo sob o comando do Conselho Monetário Nacional. Não tinha freio. O sistema não tinha âncora e a política monetária era totalmente passiva, a reboque dos acontecimentos.

P. - O que mudou?

JJS - Temos um BC independente. Não garante tudo. Ficamos sempre na dependência dos sinais e das atitudes dos dirigentes do BC. A decisão desta quarta-feira do Copom foi justamente no sentido de indicar que o BC não vai ficar passivo nessa história. Pelo contrário, vai tentar tomar a dianteira. O fato de ter feito um movimento de 100 pontos [aumento de 1 ponto percentual na Selic] e ter sinalizado mais dois aumentos de igual magnitude é um sinal muito firme de que está disposto a reagir a essa perspectiva de dominância fiscal. Na ausência de uma reação desse tipo ou desse porte, a gente caminharia provavelmente e muito celeremente para um ambiente de dominância fiscal. Eu tenho muito pouca dúvida disso.

P. - O que poderia acontecer?

JJS - Uma eventual reação tímida do Banco Central seguramente aceleraria os passos da direção da dominância fiscal. Inclusive, na minha cabeça, já estava me ajustando para caracterizar o Brasil de hoje como um país numa trajetória ascendente de inflação. A inflação do ano passado foi de 4,6%. A deste ano deve ser perto de 5%. Em 2025, não é nem um pouco absurdo acreditar que estaria caminhando para perto de 6% ou alguma coisa desse tipo. Não é um número preciso, mas é o jeitão da coisa.

P. - O que muda com uma decisão tão dura do BC?

JJS - É possível conseguir estancar a perspectiva de inflação persistentemente em alta. Mas uma vitória completa sobre a inflação, levá-la, por exemplo, para a meta, é uma tarefa muito difícil, diante do que está acontecendo no campo fiscal. O grande problema é que o Executivo vai fazer o que estiver ao seu alcance para impedir uma desaceleração da atividade econômica até o final de 2026, a eleição. Os sinais são de que não vai desistir.

P. - Essas ações podem contrapor o efeito dos juros mais altos?

JJS - O governo não vai deixar a economia arrefecer. O ganho que a gente pode ter no campo da inflação é modesto. O BC talvez consiga evitar uma aceleração acentuada da inflação. À medida que seja verdade que o Executivo não vai tirar o pé do acelerador fiscal, e junto com o fato de que a conta de juros agora é mais salgada, e o déficit nominal é maior, a relação entre a dívida pública e o PIB vai continuar crescendo. Isso vai continuar representando um prêmio de risco elevado para o Brasil. Lá adiante, é bem possível, existe a possibilidade de toda essa discussão da dominância fiscal estar presente novamente. A gente ganha tempo. Mas, se não houver uma mudança no comportamento da política fiscal, o assunto volta de novo, com a mesma força.

P. - O que acontece na economia com uma situação de dominância fiscal?

JJS - A dominância fiscal acontece quando o BC perde o controle da economia. As suas ações normais, no campo da política anti-inflacionária, passam a ter efeitos adversos. Por exemplo, o BC aumenta os juros, mas o real se deprecia frente ao dólar. Aumenta os juros, mas a expectativa de inflação sobe. Aumenta os juros, a percepção de risco do país se eleva. Ao contrário do normal, que é o real se fortalecer.

P. - Como é que se sabe quando a economia estava perto de um quadro de dominância fiscal?

JJS - Começava a haver suspeita de que, em resposta a ações do BC, de subida de juros, as reações de mercado poderiam se tornar adversas. Houve uma apreensão nesse sentido. É fundamental ressaltar que o jogo não acabou. O BC deu uma resposta agora, mas como será o fiscal daqui para a frente? Eu quero lembrar que a ameaça da dominância que a gente vive deriva da expansão fiscal exagerada. É um problema fiscal, que tem que ser resolvido no lado fiscal. O BC sozinho não consegue resolver o problema.

Integrantes do governo, aliados e o setor produtivo criticaram duramente a decisão do BC. Uma das justificativas é que a economia real vai bem, crescendo com pleno emprego e diminuição da pobreza. Para os críticos, a ação do BC vai piorar essa situação.

É maravilhoso que a economia tenha um bom desempenho, que o consumo das famílias esteja em expansão, que o desemprego esteja baixo. Mas não pode acontecer, digamos assim, em desacordo com o potencial da economia. Uma economia que cresce substancialmente acima do seu potencial não vai conseguir manter esse crescimento por muito tempo. Vai gerar pressões inflacionárias, que é exatamente o que está acontecendo. O BC explicou. Existe o chamado hiato do produto. A atividade econômica está em um nível superior ao nível potencial. É o hiato do produto positivo. A economia está tentando produzir e absorver mais do que o seu potencial permite.

P., - Quais os riscos de seguir nesse caminho?

JJS - É pressão inflacionária na veia. É exatamente o que está acontecendo. A média dos juros reais de política monetária no Brasil, nos últimos dois anos, foi 7% ao ano. É muito juro. Mas por que teve que ser tão alto assim? Porque o gasto público federal primário está em quase 6%, é 5,7% nos últimos dois anos, média anual. E as transferências do governo têm um crescimento de 7,5%, média anual, em termos reais. Transferências são aquelas de Previdência, abono salarial, BPC, seguro-desemprego e Bolsa Família. A política fiscal está indo para o lado oposto da política monetária.

P. - Os juros vão subir até quanto?

JJS - A resposta ninguém tem. Vai depender de como será a reação do Executivo. Ele vai desistir de fazer a economia chegar aquecida nas eleições? Acho que não. O BC está tentando segurar o excesso de dispêndio da sociedade, e a política fiscal, o governo, está tentando acelerar o dispêndio. O resultado líquido é que o crescimento do dispêndio está ganhando o cabo de guerra. Está ganhando, a demanda está crescendo. É por isso que a gente tem que pensar que a inflação de 2025 poderá ser maior que a deste ano.

P. - Com o choque de juros, a pressão sobre o futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, vai aumentar?

JJS - Não tem jeito. Qualquer que seja o presidente tem pressão. Seja ele mais conservador, menos conservador, ele está sempre pressionado. O que vimos com o Copom é um sinal muito bom. Uma das piores coisas que podia acontecer é, no meio dessa confusão toda, o BC dar um sinal de estar rachado, de ter um dirigente querendo ir para um lado e o outro querendo ir para o outro. Vejo o novo presidente do BC muito alinhado.

RAIO X - José Júlio Senna, 78

Chefe do Centro de Estudos Monetários do IBRE-FGV. Doutor em economia pela Universidade Johns Hopkins (Baltimore, EUA). Foi diretor do Banco Central e diretor executivo de algumas instituições financeiras, como Banco Boavista, Banco da Bahia Investimentos, Banco Graphus e Banco Fleming Graphus. Consultor associado da MCM Consultores.


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