Proximidade de Lula e Galípolo é novo teste para autonomia do Banco Central
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Gabriel Galípolo reabrirá as portas do Palácio do Planalto ao presidente do Banco Central, que assume o cargo nesta quarta (1º). A relação de proximidade entre o chefe do Executivo e o "menino de ouro", como o petista o chamou, é vista como um novo teste para a autonomia formal da autoridade monetária, em vigor desde 2021.
A presença de Galípolo nas reuniões sobre o pacote fiscal elaborado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), em novembro, serviu como uma sinalização de que o novo chefe do BC terá participação ativa no governo Lula. Um encontro noturno no Palácio da Alvorada, em Brasília, teve peso importante no desenrolar das negociações.
No último dia 20, Galípolo e Lula gravaram um vídeo lado a lado, transmitindo um recado ao mercado financeiro. O registro foi feito durante a reunião ministerial no Palácio da Alvorada, embora o futuro presidente do BC não tenha aparecido na foto oficial do encontro.
No vídeo, Lula disse que jamais fará qualquer interferência no trabalho do BC mesmo tendo criticado a autonomia do órgão reiteradas vezes desde que voltou ao poder. Ele lembrou Galípolo de que ele foi escolhido para o posto pela "relação de confiança" com o governo. De forma indireta, ainda criticou o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Para Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC e consultor da A.C. Pastore, essa postura acentua as desconfianças sobre as credenciais de Galípolo como presidente da instituição. "Mais uma vez, associam a autonomia do BC à generosidade de Lula, ignorando que ela não emana do presidente, mas da lei", acrescenta.
Economistas ouvidos pela Folha sob condição de anonimato consideram que a voz ativa de Galípolo nas decisões de Lula pode ajudar a trazer um maior alinhamento das políticas monetária e fiscal e efeitos positivos para a economia brasileira. No entanto, veem essa aproximação com o chefe do Executivo com desconfiança, podendo respingar sobre a credibilidade do BC autônomo.
Um agente econômico lembra que a participação mais ativa de Campos Neto no governo de Jair Bolsonaro (PL) contaminou a relação dele com a gestão petista e não descarta algo semelhante com Galípolo em caso de vitória da oposição em 2026.
Ao longo de seu mandato, Lula acusou Campos Neto de "trabalhar para prejudicar o país" e de ser um "adversário político e ideológico". O presidente do BC se tornou "persona non grata" no governo petista depois de ter sido um nome presente na agenda de Bolsonaro, com dezenas de reuniões bilaterais, mesmo após a lei de autonomia.
Sob Lula, foram nove meses de beligerância até Campos Neto ser recebido no Planalto pela primeira vez, em setembro de 2023. Houve ali uma tentativa de reconstrução da relação, mas que acabou não prosperando ao longo de 2024.
Para o ex-presidente do BC e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles o mais longevo no comando da autarquia, cujo mandato durou de janeiro de 2003 a dezembro de 2010, durante os dois primeiros mandatos de Lula, a proximidade em si não é um problema. Segundo ele, no entanto, é preciso que Galípolo continue sendo guiado por decisões técnicas e se não se deixe influenciar por pressões de Lula ou de outros membros do governo.
O ponto fundamental, segundo Meirelles, é o impacto sobre as expectativas de inflação hoje distantes do centro da meta de 3%.
O ex-presidente do BC alerta que as projeções podem se deteriorar ainda mais caso os formadores de preços entendam que uma decisão seja tomada com base nos desejos de atores políticos. Isso dificultaria o trabalho do BC no controle da inflação, podendo levá-lo a subir mais os juros como forma de compensação.
No dia 1º, Galípolo assumirá o comando do BC em meio a um ciclo de alta de juros, com a taxa básica (Selic) em 12,25% ao ano. Para 2025, mais duas altas de 1 ponto percentual já estão "contratadas". A partir de janeiro, o Copom (Comitê de Política Monetária) terá maioria de indicados pelo governo Lula, com sete dos nove membros.
"A partir do momento em que ele assumir o cargo em janeiro, o presidente do Banco Central tem que não só agir independentemente, mas também parecer independente", disse.
Publicamente, Galípolo refuta ingerência, mantém um discurso duro e até agora alinhado com a gestão de Campos Neto. Em mais de uma ocasião, apresentou o BC como "o chato da festa". "Se você quer ser miss simpatia, não vá para o Banco Central", disse em evento em São Paulo.
Apesar do choque de juros, o ex-presidente do BC acredita que Galípolo não deve enfrentar "grandes atritos públicos", como seu antecessor, justamente por contar com o apoio de Lula. Isso, na visão dele, pode se refletir positivamente na condução da política monetária.
Meirelles vê o aceno feito por Lula no vídeo como positivo pela "situação particular" vivida no Brasil na primeira transição pós-autonomia, mas reforça que a atuação autônoma do BC é "garantida por lei" e "independe da opinião do presidente da República".
"Terá sido positivo, desde que termine aí, não faz sentido repetir [esse tipo de gesto]. Se repetir, claramente começa a influenciar negativamente as expectativas de inflação", diz.
Para o ex-ministro da Fazenda, "não cabe ao presidente do Banco Central participar de reuniões ministeriais" nem de discussões sobre política fiscal.
No caso específico do pacote de contenção de despesas, reconhece que Galípolo pode ter ajudado Haddad a convencer Lula nas negociações ao fazer uma avaliação técnica sobre o tema, mas vê o episódio como exceção.
No âmbito doméstico, Meirelles faz uma comparação com a atuação independente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TCU (Tribunal de Contas da União). "Os presidentes desses tribunais não frequentam o Planalto de uma forma frequente", afirma.
Ele ainda ressalta que, ao olhar para a dinâmica de outros países, existe um distanciamento entre o chefe do BC e o presidente da República nos bancos centrais autônomos.
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