Rio libera novas bets em meio a embate com governo sobre autorização de apostas no país
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A Loterj, autarquia do Rio de Janeiro responsável pelas loterias do estado, autorizou o funcionamento de três novas casas de aposta depois o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciar que bloquearia o funcionamento no país de bets que não haviam iniciado o processo de regulamentação federal.
Hoje, 12 sites têm credenciamento no Rio, mas podem operar em todo país, e não só no território do estado, numa situação que desafia o governo federal.
Outras 11 empresas cumpriram etapas do processo de licitação fluminense desde então, e pelo menos duas estão aptas a assinar contrato mediante o pagamento da outorga de R$ 5,2 milhões. Os detalhes dos processos têm sido mantidos sob sigilo pela Loterj.
A última empresa a garantir a licença foi a VaideBet Apostas Ltda, proprietária da marca VaideBet. O processo de credenciamento havia sido iniciado em meados de agosto.
O aval técnico veio após Prova Conceito (que confere especificações técnicas exigidas no edital) realizada em 3 de setembro, um dia antes da Operação Integration, deflagrada pela Polícia Civil de Pernambuco, que teve como alvo os proprietários da empresa.
Mesmo assim, o processo seguiu seu rito, com a VaideBet conseguindo a licença estadual na última terça (1), horas antes de o Ministério da Fazenda anunciar uma lista que agora tem mais de 200 sites aptos a atuarem nacionalmente enquanto têm seus processos de licenciamento analisados pelo ministério.
A operação policial que envolveu a VaideBet levou à prisão da influenciadora e advogada Deolane Bezerra e ao indiciamento do sertanejo Gusttavo Lima.
Essa casa de aposta não consta da lista federal, mas pode operar nacionalmente, assim com as outras com a licença fluminense. Isso ocorre por causa de uma manobra da Loterj que tem causado embates com o governo Lula.
A Loterj já estava com edital aberto, desde abril de 2023, para credenciar casas de aposta para atuarem no Rio quando o governo federal publicou uma MP (Medida Provisória) sobre o tema, em julho do ano passado. A autarquia fluminense, no dia seguinte, retificou seu edital para permitir que os credenciados pudessem atuar nacionalmente, e não apenas no estado.
É a única loteria estadual com essa previsão. Nas outras, as apostas devem ser feitas apenas dentro dos limites territoriais.
Na terça (1º), a Justiça Federal no Distrito Federal concedeu liminar suspendendo os efeitos de três portarias do Ministério Fazenda à Loterj, incluindo a que criou a lista positiva de bets. Na prática, autorizou que os sites licenciados no Rio continuem a operar nacionalmente.
A investida da Loterj tem desafiado o governo, que prometeu agir e também recorrer dessa decisão. A AGU (Advocacia-Geral da União) foi questionada sobre as ações a respeito da Loterj, mas não respondeu.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) comentou a decisão em favor da Loterj.
"A pessoa tem que estar no Rio de Janeiro para jogar em uma loteria virtual do Rio de Janeiro, e não no território nacional", disse Haddad. "Se tiver atuação nacional em cada estado, aí você vai realmente criar uma situação que não condiz com o texto constitucional."
Os 12 sites em operação no Rio são ligados a oito empresas. Em março, a autarquia só tinha quatro empresas licenciadas a Loterj reabriu em setembro o prazo para receber novas propostas no mesmo edital de 2023.
A Loterj tem divulgado, como forma de atrair interesse de mais casas de apostas, que o custo da outorga no estado, de R$ 5,2 milhões por cinco anos, mais 5% do GGR (arrecadação de apostas menos o valor dos prêmios) é bem menor do que o da União, de R$ 30 milhões pelo mesmo período, mais 12% do GGR.
Duas novas bets foram chamadas a assinar contrato e outras 13 empresas, de acordo com levantamento da Folha de S.Paulo, estão com processo aberto.
OUTROS ESTADOS TÊM GEORREFERENCIAMENTO
Há quatro anos, o STF (Superior Tribunal Federal) consolidou entendimento que a União não tem exclusividade para explorar loterias, por se tratar de um serviço público.
Desde então, estados e municípios puderam iniciar ou retomar projetos de loterias locais, suspensos desde 1967, quando a União passou a ter o monopólio das loterias. Esses entes podem operar ou terceirizar a operação das apostas de quota fixa (as bets, autorizadas em 2018) e os cassinos online (desde o fim do ano passado), além dos modelos mais tradicionais de loteria.
O Maranhão relançou em abril a Lotema, fechada em 1967. Quatro operadores foram autorizados, mas só a Embralote tem site em funcionamento e apareceu na primeira lista da Fazenda. A atualização da relação, feita na quarta (2), inclui as outras três empresas, ainda em fase de instalação.
Já o Paraná licitou cinco outorgas no ano passado, por R$ 5 milhões cada, para atuação por cinco anos. Os contratos receberam aditivo este ano, para incluir a possibilidade de os sites oferecerem também o chamado cassino online.
No caso de Minas, a única empresa licenciada, a Keno Loteria, que opera o Lotominas.bet, não apareceu na primeira lista da Fazenda, sendo incluída posteriormente na atualização da relação.
Estados e União entendem que as licenças valem somente localmente, e as bets autorizadas devem acionar o georreferenciamento para impedir apostas em outros lugares.
A Lei das Bets, aprovada no fim do ano passado, contém um artigo que "limita a operação dos serviços lotéricos, pela mesma empresa privada ou grupo econômico, a apenas uma única concessão, em um dos estados ou Distrito Federal".
Em maio, seis estados protocolaram uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF questionando essa regra. São Paulo, Minas Gerais, Acre, Paraná, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal argumentam que a regra viola a livre concorrência que deve imperar na prestação do serviço.
"Qualquer particular que detenha o direito de explorar o serviço (mediante concessão, permissão ou autorização) deve poder explorá-lo em igualdade de condições, podendo se utilizar do arsenal mercadológico existente para atrair potenciais usuários", dizem os estados na ADI, que aguarda decisão do ministro Luiz Fux.
A PGR (Procuradora-Geral da República) posicionou-se, em setembro, pela improcedência do pedido dos estados.
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