Compartilhe este texto

A imposição da constância do tempo


Por Flávio Lauria

26/03/2025 10h16 — em
Espaço Crítico


ouça este conteúdo

Em alguns artigos que escrevo, e já se vão mais de dois mil, quebro ou tento quebrar a conspiração do silêncio, perturbando a tranquilidade em temas não tão fáceis de serem vistos pela exterioridade. É inevitável, após uma razoável experiência de vida, convencemo-nos de que aquilo mais valioso do qual podemos dispor livremente não são os bens materiais, mas o tempo. A gravidade do tempo é tanta que, milênios atrás, nossos ancestrais criaram formas de medi-lo, para poupá-lo e utilizá-lo de forma cada vez mais eficaz.

No início, o tempo era medido em estações do ano, com finalidades agrícolas, depois classificadas em meses. Encurtando-se a medida do tempo, chegamos à divisão de horas e minutos, e, ainda, em milésimos de segundo. Inventaram, há décadas, o relógio digital de pulso, que permite a presença – ou ausência, o que piora o quadro – em encontros, audiências e reuniões, com precisão absoluta. Quem toma trens ou aviões conhece seus horários estapafúrdios, de precisão impiedosa. O tal “minutinho, por favor”, muito típico do brasileiro ao atender-nos no balcão ou ao telefone, já conheceu épocas melhores, pois sensíveis ao seu valor, esse “minutinho” nos sai caro e gera revolta.

O tempo, a imposição de sua constância, e seus efeitos implacáveis em nossas vidas tão conturbadas, a partir de sua ínfima medida, é mercadoria disputada. Quem tem boa noção de tempo consegue grandes realizações. Quem não conhece seu tempo está condenado ao fracasso, posto que não mede sua própria evolução, nem dá valor ao tempo dos outros. Sem podermos fugir dessa questão infalível, avaliamos a possibilidade de conviver com o tempo sem reputar-lhe a angústia que nos causa, por excesso ou por falta. Assim, a expressão “administração do tempo” remete-nos a técnicas que ensinam a esquecer a medida cronológica, vendo o tempo sob o aspecto psicológico ou emocional, ou da produtividade intelectual, já que cada um tem sua própria régua temporal.

Os tempos coletivo e individual merecem profunda reflexão, pois há aqueles que amadurecem fora de seu tempo, trazendo progresso, bem como outros que vivem no passado, vagando entre os fantasmas que se foram. O tempo geográfico tem sido cruel. Cá embaixo do Equador, estamos assistindo com ansiedade à péssima administração do tempo de nossa coletividade brasileira, em um eterno aguardar, menos de uma liderança que traga notícias e dias melhores. Vivemos sob o risco de já não mais haver tempo para resgatar nossos melhores valores, passando mais uma geração perdida no eterno aguardar, permanentemente debruçada no alpendre da vida, vendo a banda do desenvolvimento (dos outros) passar.

Siga-nos no
Os artigos, fotos, vídeos, tabelas e outros materiais publicados nesta coluna não refletem necessariamente o pensamento do Portal do Holanda, sendo de total responsabilidade do(s) autor(es) as informações, juízos de valor e conceitos divulgados.

ASSUNTOS: Espaço Crítico