Natal: a inversão de valores
Lembrei-me esta semana de um poema de Carlos Drummond de Andrade que pergunta "O que fizeram do Natal". E no terceiro verso ele assinala que o Natal brasileiro "não tem neves, não tem gelos": uma crítica às decorações natalinas de nossas lojas, sempre inclinadas a copiar realidades estrangeiras. Nosso Natal ocorre em pleno verão, não se justificando o uso de algodão para imitar uma neve que somente aparece em algumas cidades sulinas.
Trata-se de lamentável subserviência a povos boreais. O próprio Papai Noel veste roupa grossa, própria para um frio desconhecido em regiões tropicais. Os shopings do Brasil não deveriam exibir uma decoração com falsas neves: somente uma bela Árvore de Natal e um grande presépio com um Menino Jesus de barro, deitado sobre palhas naturais. Assim é que um povo que se diz cristão deve comemorar o nascimento de nosso Salvador. Não é justo substituir o presépio - feliz invenção de São Francisco de Assis – pela alegoria de algodão. A própria palavra Natal refere-se ao nascimento de um menino.
Como Carlos Drummond de Andrade, sempre me desapontei com tão absurda inversão de valores: a da maior festa da cristandade transformada anualmente em diversões profanas e dela se apropriando o comércio, com sua habitual cupidez, para aumentar os preços e estimular o consumismo. Triste destino de um mundo descristianizado! Em 23 de dezembro - dois dias antes do Natal de 1956 - Carlos Drummond de Andrade voltou a protestar de modo ainda mais incisivo contra a industrialização do Natal. O poema "Conversa informal com o Menino" - escrito exatamente naquela data e publicado no livro de 1967 Versiprosa - tem um frêmito religioso evidente em estrofes como esta: "Perdoa, Infante, a vaidade, / a fraqueza, o mau costume / tão geral: / fazer da Natividade / um pretexto, não um lume / celestial".
Reconhecemos que não é fácil acabar com o consumismo que faz do Natal um pretexto para beneficiar o comércio e substituir o presépio pela figura mítica do velho de barbas brancas e roupa de inverno. Mas, como professor que fui a vida inteira, acredito na educação e convido os educadores a gritar comigo, que já é hora de fazermos um Natal mais consentâneo com nossa realidade, porque não colocar na mesa de Natal, pupunha, tucumã, cupuaçu, araçá-boi, jenipapo, mari-mari, ao invés de damasco, nozes e figos?
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