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O Hino e o Futebol


Por Flávio Lauria

17/06/2024 20h43 — em
Espaço Crítico



Será que o Brasil morre de felicidade porque a Seleção Canarinho empatou com os Estados Unidos? mesmo sendo amistoso? Me concedo largas dúvidas a respeito. Recordo o ruído de festanças populares que fechavam avenidas e não me deixavam dormir até o alvorecer, quando o Brasil jogava e evidentemente ganhava.

Este jogo, pelo que me foi dado ver e ouvir, nem festa foi, a não ser por ser em Orlando. O Brasil não tem especiais motivos de contentamento e não será esta Copa América que vai deixá-lo alegre. De mais a mais, o Brasil percebeu que os grandes e tradicionais adversários ainda não foram enfrentados. Em compensação, dirigentes da Seleção, jogadores e a mídia se empenharam sofregamente para levar o país na conversa.

Agora gostaria de entender as razões de tanto esforço. De saída, confesso: quando os canarinhos desfilam no vídeo na iminência do trilo inicial, cantando o Hino Nacional, experimento uma sensação de constrangimento.

Não estou dizendo que o hino não merece respeito; pelo contrário, proclamo que o merece e muito. Também não sustento que o hino não deve ser misturado com futebol, ou que, ao tocá-lo, procura-se transformar o espetáculo esportivo em algo similar a uma guerra. Nada disso. Desde sempre, a cerimônia dos preliminares dos eventos internacionais do esporte obedece ao mesmo roteiro e não há por que mudá-lo. Além disso, não é minha intenção analisar as motivações do orgulho nacional e da paixão torcedora. Sem contar que, conforme as circunstâncias, um belo hino tem tudo para comover. Então, esclareço.

Quando os moços da Seleção, perfilados diante das numeradas, cantam o hino, sou preso de acabrunhadora suspeita. Peito estufado, a mão sobre o coração, desconfio que cantam com o mesmo espírito com que beijam a camisa do seu clube depois de fazer gol. Digo, a camisa contingente do time que estão servindo naquele momento e que poderão deixar de servir no fim da temporada. Este amor é sempre efêmero. Amor mesmo? Pés bons de bola custam cada vez mais em dólares e afeição pelo uniforme é valor agregado.

O dinheiro adentrou ao gramado com ímpeto nunca dantes imaginado, com a inestimável colaboração da televisão, que faz do planeta um único estádio. Eis o efeito globalização. Me pego a pensar que os bravos rapazes cantam o hino porque estão sendo vistos pelos torcedores a milhares de quilômetros. Sabem que as câmaras os enquadram em close e que, portanto, convém aprender direitinho a letra, sendo a leitura labial um dos atrativos oferecidos pela televisão. Sinto na cantoria um traço interesseiro.

Na despedida de Neymar pelo Santos, o craque chorou ao ouvir o Hino Nacional, e no dia seguinte mostrou como é bom ator, aparecendo em uma das novelas da Rede Globo. Mas não me surpreenderei se num dia desses surgir no vídeo um dos irmãos Frazão entoando com fervor o Hino Nacional. Quem sabe fosse possível organizar um número extra dentro do espetáculo: Frazão solista, acompanhado pelo coro dos agora cartolas, Ronaldo e Bebeto.

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