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Prometo, cumprir é outra coisa


Por Flávio Lauria

15/07/2024 16h59 — em
Espaço Crítico



Já no meio do sétimo mês do ano, mantenho uma longa conversa comigo mesmo que serve de exercício para mutações. Nunca é demais o ato de meditar, como também nunca é demais o ato de escrever. O papel acolhe a palavra que pronuncio, congelando-a em um pacto de tempo indefinido. Hoje me exponho, amanhã releio o velho escrito que poderá não fazer mais sentido, pouco importa em que época o tenha explicitado, as letras penhoram um momento vivido. Assim, vou rabiscando traços de mim em folhas em branco, traços e juras.

Estamos em época de campanha política municipal, e as promessas tanto de prefeitos ou de vereadores são das mais notáveis às mais esdruxulas possíveis. Recebo no meu celular, pedidos de votos, e de programas não só irreais, como se eu fosse um idiota, igual aos que me mandam pedidos.

O leitor pode achar que é radical a proposta, mas se analisarmos profundamente a política, tomada em significado de governo, direção e administração do poder público, sob a forma do estado, faliu, tornou-se sem sentido, não funciona mais. No Brasil e no mundo. O bem comum embutido na palavra logrou o fracasso. O homem não aprende muito com a história. Todos os regimes políticos tornaram-se arremedo de sua invenção grega original. Uma falácia em nome da isonomia democrática, da tal politika praticada por homens sem ética, res publica em causa própria.

O estado de miséria decorre das políticas públicas; os políticos alimentam-se de pobres. O poder que emana do povo é contra o povo: com a classe política, nenhum problema é resolvido. A sacralização dos políticos resulta de sua contraditoriedade: elege-se político para nada. Pela Constituição, os políticos são legisladores. Nenhuma lei, porém, se lhes corta privilégios. A esperteza do que hoje resolvemos chamar de empreendedorismo chega à ganância, que, pelos caminhos tortuosos do sistema financeiro, dilapida o patrimônio do povo, com total desfaçatez.

Parece que temos em mãos – e assim espero – uma crise sem precedentes em nossas estruturas republicanas. Certamente, essa impressão de que “não sobra ninguém para contar a história”, tal a amplitude da corrupção, não é verdadeira. Ainda há em nossas elites uma massa crítica de pessoas de bem, em que pese seu proverbial imobilismo, porque o status quo lhes é benéfico. Mas, talvez para não perder os dedos, cedam os anéis e se movimentem, ao lado do povo, para fazer os expurgos de limpeza do terreno e iniciem as necessárias reformas estruturais.

Ao longo dos séculos, política deixou de ser um valor e de ter um sentido para a vida humana. Desde a Idade do Ouro, quando os homens começaram a se organizar socialmente, à pós-modernidade, a política é responsável pelo fato de a humanidade ser infeliz. Em nome da lei, do estado ou de Deus, tudo é permitido e permissivo.

A política é um castigo como o mito de Prometeu. Ela opõe-se por conveniência a todos os conceitos de decência, seja pela injustiça comunitária, pelo lastro irrefutável da corrupção, ou em oposição à virtude oriunda da themis – lei divina incidente no universo, a physis, a ordem do mundo, ou nomos e a dike – justiça entre os homens e as coisas.

O caos é político. A crise é política. A esculhambação é política. Todo corpo de leis reconhecido tem origem política, portanto, não funciona. A política é um presente grego. A política, além de corromper, mente, rouba, deturpa, mata e nunca, mas nunca mesmo muda para melhor a situação social e econômica.

Qual a razão de terem tantos candidatos a vereador? e a briga para ou permanecer no poder executivo ou ser Prefeito pela primeira vez? As promessas são esquecidas logo que são eleitos, cumpri-las é tarefa quase impossível.

É razoável questionar por que então manter-se a classe política? E se a classe política desse um tempo? Deixasse de existir por pelo menos uma década e permitisse à sociedade se organizar em torno de um novo paradigma que não tivesse o vírus da política nem dos políticos? Quem pode afirmar que não, se nada foi tentado?

E se os políticos não fossem mais escolhidos pelo voto, mas pelo veto e durante o (longo, espera-se) período de hibernação, lhes fosse imposta uma radical reciclagem que incluísse o fim de todos os seus privilégios, como salários altos, imunidade parlamentar, nepotismo, pagamento de despesas extras? O mundo, o Brasil está a exigir um novo modelo político. O que acontece atualmente no País, ainda que haja precedentes planetários, é indigno, mas tem de servir para promover mudanças.

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