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Mãe de medalhista da marcha conta que foi molestada por primo; pai a culpou

Por Folha de São Paulo

25/04/2025 12h00 — em
Esportes


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SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) - Gianetti Sena diz que quem a conhece hoje como marchadora, mãe e treinadora do medalhista olímpico Caio Bonfim não a reconheceria quando jovem. Nascida e criada em Sobradinho, no Distrito Federal, ela cresceu revoltada por ter nascido mulher. A ex-atleta não conseguia entender e muito menos aceitar a distinção entre os gêneros.

À reportagem, Gianetti disse que aos 12 anos foi molestada sexualmente por um primo que vivia na casa da família e acabou condenada pelo pai. Tal episódio ampliou ainda mais a raiva daquela menina que vivia num contexto onde mulheres só tinham deveres e homens eram cheios de direitos.

"Meu pai flagrou, ele viu. Sabe o que ele fez? Me responsabilizou. Disse que eu, como mulher, tinha que me cuidar, valorizar e não podia ter deixado. Como assim? Eu só tinha 12 anos de idade, eu não sabia de nada. E o cara continuou morando lá. Se fosse comigo hoje eu chutava aos pontapés da minha casa. Foi esse tipo de coisa que permeou muito a minha vida", conta.

A rotina de violência e traições fizeram a mãe de Gianetti sair de casa e abandonar os filhos com o pai para viver de favor na casa de conhecidos. Na época com seis anos, Gia acumulou tarefas domésticas e passou a cuidar dos irmãos mais novos. Nos momentos que tinha brecha, corria para brincar até ser repreendida pelo pai por não estar cuidando da casa.

"Meu pai era muito autoritário, sistema patriarcal, hiper, ultra, mega machista e eu cresci nesse ambiente um tanto quanto tóxico para a mulher. O pouco que eu vivi com a minha mãe, via que ela não tinha voz. Era zero à esquerda. Só servia para fazer comida, cuidar da casa, dos filhos e servir o homem. Isso me incomodava profundamente, porque eu queria ser muito mais", falou.

"Eu tive essa lacuna. Eu digo que eu me criei sozinha, porque meu pai era muito ausente, muito complicado, cheio de problemas, não participou."

Aquela vida limitada dentro de um ambiente tóxico e machista plantou a inquietude em Gianetti. Sempre que se sentava em sua cama, ela ficava refletindo a fim de traçar um plano que a tirasse para sempre daquela situação. A conclusão? Estudos.

"Passei no vestibular e fui estudar Direito em busca de respostas. Por que acontece isso comigo? Por que a minha mãe foi embora e largou a gente aqui com o meu pai e nunca mais procurou? Quando estava na faculdade, conheci meu marido e fui reconstruindo a minha história. O vitimismo não era a solução. Só eu poderia mudar tudo", lembrou.

O marido de Gianetti é João Sena, também marchador. Juntos, eles construíram um clube de atletismo em Sobradinho e formam jovens e crianças - um deles é o filho Caio Bonfim, o primeiro brasileiro a conquistar uma medalha olímpica na marcha atlética.

Foi também na época da faculdade que Gianetti reencontrou sua mãe após um hiato de 16 anos. Hoje elas se relacionam e conversam em festividades; o pai morreu em 2019.

Hoje com 53 anos, a treinadora destacou que consegue e sente vontade de contar essa história porque quer encorajar as mulheres que sofrem com situações similares a juntarem forças para mudar o rumo da vida.

"Eu quis andar, vencer. A gente tem que ter isso em mente. Se você não tiver, vai ficar se escondendo atrás dos problemas. Mas aí, não me pergunta quem me ensinou, quem falou, quem me instruiu, não sei. Só sei que foi assim", afirma Gianetti.

EM CASO DE VIOLÊNCIA, DENUNCIE

Ao presenciar um episódio de agressão contra mulheres, ligue para 190 e denuncie.

Casos de violência doméstica são, na maior parte das vezes, cometidos por parceiros ou ex-companheiros das mulheres, mas a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em agressões cometidas por familiares.

Também é possível realizar denúncias pelo número 180 — Central de Atendimento à Mulher — e do Disque 100, que apura violações aos direitos humanos.

Há ainda o aplicativo Direitos Humanos Brasil e através da página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos (ONDH) do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Vítimas de violência doméstica podem fazer a denúncia em até seis meses.


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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