Torcedores rivais trocam 'mono' por 'tonto' ao fazer ataques contra Vinicius Junior
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - Os ataques contra o jogador brasileiro Vinicius Junior continuam, mas os termos ofensivos mudaram. Na sexta-feira (3), o atacante foi expulso de campo após ter agredido um adversário no estádio Mestalla, em Valência, e, quando o cartão vermelho foi mostrado, alguns torcedores do Valencia iniciaram um coro de "tonto, tonto". Um vídeo com o xingamento se espalhou nas redes sociais. Pela expulsão, Vinicius foi punido com dois jogos de suspensão.
O coro de "tonto, tonto" substituiu o de "mono, mono" ("macaco, macaco", em espanhol), que rendeu punições ao Valencia e a três de seus torcedores depois de um jogo no mesmo estádio Mestalla, em maio de 2023.
"Trata-se de uma estratégia usada por grupos neonazistas espanhóis nas redes sociais", disse Esteban Ibarra, presidente da ONG madrilena Movimiento Contra la Intolerancia. "Para evitar bloqueios, eles substituem a palavra holocausto por holocuento", acrescentou, referindo-se ao método utilizado para propagar a mentira segundo a qual o assassinato sistemático de 6 milhões de judeus por parte do regime nazista não ocorreu.
Vinicius foi expulso por um lance corriqueiro do jogo, em que revidou uma provocação do goleiro macedônio Dimitrievski e foi flagrado pelo árbitro de vídeo. O brasileiro usou as redes sociais para pedir desculpas aos torcedores e a seus companheiros de clube.
O Real Madrid se pronunciou na quarta (8), logo após o anúncio da suspensão, dizendo que vai recorrer. O clube afirmou que incluirá no recurso a ocorrência de "graves insultos racistas ao jogador no momento anterior à expulsão, que não foram registrados na súmula e não motivaram qualquer atitude da arbitragem da partida".
Para Ibarra, autor de um livro sobre a infiltração de grupos de ultradireita nas torcidas de futebol, existe a possibilidade de punir o clube e seus torcedores mesmo que não se confirme o teor racista das ofensas. "Existem três razões para isso. Há um precedente, envolvendo o mesmo clube e o mesmo estádio. Há aparentemente uma ação organizada; o protesto não foi espontâneo, partiu de um grupo. E provocou danos reais, o jogador perdeu a calma, prejudicando a si próprio e ao clube."
Na visão de Ibarra, os torcedores, se identificados, poderiam ser enquadrados no artigo 173 do Código Penal espanhol, "infringir a outra pessoa um trato degradante, minando gravemente sua integridade moral", que prevê pena de prisão de seis meses a dois anos.
O advogado espanhol Juan José Ríos Zaldívar, palestrante em cursos de Direito aplicado ao futebol, discorda de Ibarra.
"Na minha opinião, as ofensas proferidas não configuram um delito penal e não podem ser enquadradas como crimes de ódio, a não ser que ficasse provada uma reincidência, ou seja, se fossem obra dos mesmos indivíduos condenados anteriormente", afirmou Zaldívar, que é diretor da área processual da auditoria Grant Thornton na Espanha. Ele considera que cabem, no caso, apenas sanções administrativas.
A entidade que coordena os campeonatos de futebol na Espanha, LaLiga, preferiu este caminho. Remeteu nesta quarta pela manhã uma denúncia à Comissão Antiviolência da Real Federación Española de Fútbol (RFEF) relatando as ofensas proferidas por torcedores na "Grada Mario Alberto Kempes" o setor sul da arquibancada, onde costumam ficar os torcedores conhecidos como "ultras".
A denúncia aponta que tais comportamentos são passíveis de sanções, mas afirma também que "o clube mostrou o compromisso de tentar dissuadir esse tipo de comportamento". Durante o jogo, os telões do Mestalla mostraram em vários momentos mensagens contra o racismo e a xenofobia.
Nenhum dos três torcedores do Valencia condenados em junho do ano passado, em processo inédito na Justiça espanhola, está hoje na prisão. Pela lei espanhola, penas inferiores a dois anos para réus primários podem ser suspensas cada um deles pegou oito meses. Os três torcedores foram proibidos de frequentar estádios de futebol por dois anos.
Eles foram enquadrados no artigo 510 do Código Penal espanhol, que pune ataques contra a dignidade de uma pessoa por razões de raça, gênero, religião, orientação sexual, doença ou condição social. "Foi uma condenação histórica. Os torcedores que ofenderam Vinicius na sexta passada evitaram os termos racistas porque entenderam que esse tipo de comportamento pode ser punido", afirmou Ibarra.
O brasileiro Marcelo Carvalho, diretor executivo do observatório da discriminação racial no futebol, concorda com Ibarra.
"Vinicius Junior vem desafiando padrões. Jogadores sempre tiveram dificuldade em abordar a causa antirracista por medo de represálias", afirmou Carvalho. "Vinicius sabe que não está sozinho em sua luta. Já recebeu em diferentes ocasiões o apoio do clube, da Fifa, do patrocinador e de seus agentes, que o colocaram em contato com outros esportistas ativistas, como o jogador de basquete LeBron James."
A suspensão de dois jogos vale apenas para o Campeonato Espanhol. Por isso, Vinicius seguiu para a Arábia Saudita com seus companheiros para disputar nesta semana o mata-mata da Supercopa da Espanha. O estafe do jogador, procurado pela reportagem, disse que não se pronunciaria sobre os eventos do Mestalla.
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