Hugh Jackman aposta em uma nova era para os musicais com 'O rei do show'
NOVA YORK - Barbra. Streisand. Pronuncie nome e sobrenome com alguma emoção, e aumentam exponencialmente suas chances de ganhar a atenção de Hugh Jackman. Suave e bonachão, o ex-Wolverine do cinema só afia garras imaginárias ao saber que, por causa da agenda caótica, perderá uma apresentação da artista favorita. Na cidade natal da diva, onde o australiano escolheu viver com mulher e filhos, ele já soltou a voz nos palcos em um revival de “Carrossel”(2002), em “The boy from Oz” (2003, Tony de melhor ator em musical) e no pot-pourri de standards do gênero em “Hugh Jackman, de volta à Broadway” (2011). Antes disso, já havia encarado a difícil plateia do West End londrino com elogiada montagem do Royal National Theatre para “Oklahoma!”. Mas no cinema a balança sempre pesou para o lado de lá: exclua-se o Jean Valjéan de “Os miseráveis” (2012), pelo qual foi indicado ao Oscar de ator, e a porção Streisand de Jackman seguia adormecida. Não mais.
A partir do Natal será possível encontrá-lo no papel de seus sonhos: o de P.T. Barnum (1810-1891), o “Rei do show” que dá título ao filme indicado como melhor musical para o Globo de Ouro deste ano. Jackman também foi lembrado na categoria de melhor ator pela Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood, em um filme que sonha em chegar ao Oscar como o “La la land” deste ano (leia mais ao lado).
— Quando apresentamos pela primeira vez uma ideia mais esboçada aos grandes estúdios, os executivos levantaram as sobrancelhas. Há duas décadas Hollywood não produzia um musical original. Não havia “La la land" — diz o ator.
O ano era 2009. “O rei do show” saiu da cachola do produtor Larry Mark dois meses depois de ter cerzido, com o diretor Bill Condon, a elogiada apresentação de Jackman para o Oscar. Ele queria repetir a experiência, agora no cinema, e com Jackman na pele daquele que consideravam ser o pioneiro do showbusiness ianque. Pois a cinebio de Barnum, que conta ainda com Zac Efron, Michelle Williams, Rebecca Ferguson e a pop star Zendaya no elenco, demorou oito anos para sair do papel. O filme busca se inserir no que o ator acredita ser “a era do retorno dos musicais de Hollywood”.
A dupla Justin Paul e Benj Pasek, responsável pela música do filme que viria a ser estrelado por Emma Stone e Ryan Gosling, repete a tarefa em “O rei do show”, mas isso, à época, não significava grande coisa. Ainda desconhecidos, eles tiveram de contar com a ajuda malandra do diretor do filme, o estreante Michael Gracey. Ele não titubeou quando questionado sobre quem eram “aqueles dois”: “Ué, eles ganharam o Tony pela adaptação para a Broadway de ‘James e o pêssego gigante’, vocês não viram?”. Não há qualquer registro nos palcos americanos de uma versão do filme produzido por Tim Burton. Não importa. A mentira não faria corar o biografado de “O rei do show”.
Phineas Taylor Barnum, o P.T., foi um empresário e político de Connecticut, congressista de um mandato só, no meio da Guerra de Secessão Americana (1861-65). Decidido a se reinventar, ele foi um dos criadores, já sessentão, do circo Barnum & Bailey, em 1871, em Nova York, e que, por uma trapaça do destino, fechou as portas em maio último, depois de 146 anos de apresentações. A trupe levava o epíteto, por ele trombeteado, de “o maior espetáculo da Terra”. E ele foi dos primeiros a receber a alcunha de showman. Pense em espetáculos itinerantes com anões, mulheres barbadas, animais exóticos. E também trapezistas, bailarinas, palhaços, dançarinos, antídotos que Barnum oferecia para os duros tempos do período que se seguiu à vitória da União sobre os confederados.
Escapismo agora relembrado em uma produção que, ao contrário do realismo cool de “La la land”, aposta no glamour, no brilho, em cores fortes e vozes poderosas, como a de Jackman. Como sintetiza a “Variety”, a produção que saiu pela bagatela de US$ 84 milhões “quer ser mais Judy Garland do que cool jazz”, uma atração mais família do que voltada para casais românticos.
— Gosto de pensar que fizemos um filme do jeito do Barnum. Não há nada mais difícil do que fazer um musical de qualidade, e minha parte favorita foram os ensaios, pois adoro dançar e cantar. Se tiver de fazer isso por dez horas, todo dia, estou no paraíso — diz o ator, cuja interpretação destaca o lado visionário de Barnum, demonizado pela inteligência da época por sua queda por freak shows.
“O rei do show” pode ser a prova de que o revival da era dos musicais defendido pelo ex-Wolverine é uma realidade. Mas, ainda que seja um sapateado de uma nota só em uma Hollywood dominada por super-heróis, Jackman celebra a proeza de ter conseguido se dedicar anos a fio a um personagem tão fascinante para ele quanto obscuro para o grande público. E de ter criado algo talvez não tão espetacular quanto o circo de Barnum, mas um filme que, ele aposta, Barbra Streisand não perderia por nada deste mundo.
Filme sonha ser o "La la land" da temporada
“O rei do show” é o único musical a aparecer neste ano entre os indicados para musical ou comédia do Globo de Ouro. Categoria criada na época em que fazia sentido a distinção, dado o volume das produções do gênero em Hollywood, hoje ela soa anacrônica, já que as fronteiras estéticas são menos rígidas. Entre os concorrentes diretos do filme de Hugh Jackman aparecem o terror “Corra!” e “Eu, Tonya”, sobre a rivalidade entre duas patinadoras olímpicas. Mas, se carece de representação, o Globo de Ouro ainda serve como um dos faróis para os eleitores da Academia de Hollywood. E a premiação, em 7 de janeiro, acontece dois dias depois do início da votação para o Oscar, esta entre os dias 5 e 12.
Na corrida para as estatuetas, não se pode descartar o poder de fogo de Pasek e Paul. Além de “La la land”, é deles a música de “Dear Evan Hansen”, vencedor em 2017do Tony, o Oscar do teatro americano. A dupla foi outra vez indicada ao Globo de Ouro agora, por “This is me”, candidata a melhor canção.
Também é aposta para roteiro original Bill Condon, que recebeu o Oscar de roteiro adaptado em 1999 por “Deuses e monstros”, e dirigiu Jackman dez anos depois na festa de abertura da premiação, gênese de “O rei do show”. E, claro, o próprio ex-Wolverine. Projetos pessoais de muito esforço costumam agradar a Academia.
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