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Artigo: JFK, a imagem que excede a ideologia

Por Agência O Globo

27/05/2017 14h05 — em
Mundo



WASHINGTON — Mesmo no centenário de John F. Kennedy, o 35º presidente permanece um enigma. Ainda lutamos para chegar a um consenso sobre um líder congelado no tempo — um homem que, em nossa mente, é para sempre jovem vigoroso, legal e espirituoso.

Enquanto os historiadores o retrataram como tudo, desde um guerreiro da justiça social a um partidário de Reagan, seu registro político oferece poucas informações sobre seu legado. Um “liberal da Guerra Fria” padrão, endossou os princípios básicos do New Deal em casa, e projetou uma política externa rígida e anticomunista. Do ponto de vista ideológico, ele diferia pouco de vários candidatos eleitos na ala moderada do Partido Democrata ou da ala liberal do Partido Republicano.

Mais compreensão vem ao adotar uma estratégia completamente diferente: abordar Kennedy como uma figura cultural. Desde o início de sua carreira, o apelo de JFK sempre foi mais sobre imagem do que ideologia, as emoções que ele canalizou do que as políticas que fez avançar.

Gerando um furor mais análogo ao de um artista popular do que um candidato a cargo nacional, ele foi, possivelmente, o primeiro presidente “moderno” dos EUA. Muitos líderes subsequentes seguiriam o modelo que criou, desde os republicanos Ronald Reagan e Donald Trump aos democratas Bill Clinton e Barack Obama.

 

JFK foi pioneiro na noção moderna de presidente como celebridade. Vindo de uma família abastada, ele se tornou figura nacional como um jovem congressista devido à boa aparência, eventos da alta sociedade e status de “bom partido”.

Ele bebeu acompanhado por atores de Hollywood, como Frank Sinatra e Tony Curtis, saiu com modelos e amigas cantoras. Ele se tornou presente nas grandes revistas nacionais — “Life”, “Look”, “Time”, “The Saturday Evening Post” — que se interessavam mais em sua vida pessoal do que em suas políticas.

Mais tarde, Ronald Reagan, o ator de cinema transformado em político, e Donald Trump, o personagem dos tabloides e estrela de “O Aprendiz”, traduziriam seus impulsos de celebridade para o sucesso eleitoral. Enquanto isso, o saxofonista Bill Clinton e o “sem drama” Obama — sempre à vontade nas entrevistas — desvendaram as variações do papel de celebridade no palco Democrático.

Depois de Kennedy, esse foi o candidato com maior apelo de celebridade que muitas vezes triunfou nas questões presidenciais.

 

Kennedy também forjou um novo caminho com sua habilidosa utilização da mídia. Com sua aparência de galã de cinema, sagacidade discreta e atitude graciosa, era um encaixe perfeito para o novo meio televisivo.

Ele foi aplaudido por seus discursos televisionados na Convenção Democrata de 1956, e, mais tarde, triunfou nos famosos debates da eleição presidencial de 1960. Suas entrevistas coletivas tornaram-se obras de arte de mídia, por habilmente responder perguntas complexas e lidar com repórteres, citando figuras literárias como a francesa Madame de Staël.

Duas décadas depois, Reagan mostrou-se igualmente adepto da televisão, usando sua capacidade de atuação para transmitir um patriotismo fervoroso, enquanto Clinton, que mordia os lábios, projetou a empatia natural e as habilidades de comunicação de um político nato. A eloquência de Obama diante das câmeras tornou-se lendária, enquanto ele também se tornou um dos primeiros a adotar as mídias sociais para alcançar e organizar seus seguidores.

Trump, claro, surgiu de um contexto de programas na TV, e sagazmente usou o Twitter para driblar um sistema de mídia hostil, gerar atenção e alcançar seus seguidores.

 

Finalmente, JFK remoldou a liderança pública exibindo um ideal poderoso e masculino. Como eu explico em meu livro “JFK e a Mística Masculina: Sexo e Poder na Nova Fronteira”, ele emergiu em uma era do pós-guerra, colorida pela crescente preocupação com a degeneração do americano. Alguns culpavam a mudança do mercado de trabalho, por transformar os homens de trabalhadores independentes e manuais em corpulentos, sedentários dentro de amontoados burocráticos. Outros apontavam que a abundância suburbana os transformava em trocadores de fralda que iam da poltrona ao churrasco no jardim. E muitos pensavam que o avanço feminino no mercado de trabalho faria os profissionais do sexo masculino perderem a virilidade.

Aparece Jack Kennedy, que prometeu um reavivamento estimulante da virilidade do americano como jovem, vigoroso, legal e sofisticado.

Em seu famoso discurso “Nova Fronteira”, anunciou que “os jovens estão chegando ao poder — homens que não estão limitados pelas tradições do passado —, jovens que podem abandonar os velhos slogans e delírios e suspeitas”.

Em um artigo publicado na “Sports Illustrated”, intitulado “The Soft American”, defendeu uma cruzada de adesão nacional. Endossou um realismo obstinado em moldar as estratégias da contra-insurgência que foram feitas para combater o comunismo, e abraçou o estilo audaz da CIA e dos Boinas Verdes. Defendeu os astronautas do Mercury Seven como homens robustos e corajosos que se aventuraram a conquistar a nova fronteira do espaço.

Os sucessores de JFK adotaram muitos desses temas masculinos. Reagan posicionou-se como uma viril e determinada alternativa ao vacilante Jimmy Carter. Clinton apresentou-se como um jovem pragmático, assertivo, viril, cujo caminho difícil para o sucesso contrastava com o privilegiado George H. W. Bush. Obama impressionou os eleitores como um jovem vigoroso, atlético que jogava basquete — um contraste para o irritadiço, geriátrico John McCain, e um rígido, mimado Mitt Romney.

Recentemente, a masculinidade extravagante de Trump apelou a muitos tradicionalistas incomodados por uma onda de confusão de gênero, mulheres em combate, chorosos millennials, além da queda de postos de trabalho, um desafio para a economia pós-industrial do país. Não importa quão grosseiramente, o empresário teatralmente masculino prometeu um remédio.

Assim como olhamos para John F. Kennedy um século após seu nascimento, parece cada vez mais claro que ele subiu ao palco nacional como nosso primeiro presidente moderno. Longe de uma tradição política americana de eleições de base, de experiência sóbria e de moralidade burguesa, o jovem e carismático líder refletiu uma nova atmosfera política que favoreceu o apelo das celebridades, a sagacidade mediática e o vigor masculino. Ele foi o primeiro presidente americano cujo lugar na imaginação cultural diminuiu suas posições e políticas.

Assim como o estilo fez um homem como Kennedy, ele também refez a Presidência americana. E continua a fazê-lo até hoje.

 


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