Praça 14 comemora 139 anos mantendo viva a memória dos negros no Amazonas
Resumo da Notícia
- Bairro é a sede do Quilombo Urbano Barranco de São Benedito criado há 133 anos.

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Manaus/AM - O aniversário de 139 anos da Praça 14 de Janeiro, celebrado na data que dá nome ao bairro situado na zona Sul, ganha um brilho maior quando as crioulas do Quilombo Urbano Barranco de São Benedito, situado no bairro, chamam para si o direito de contar a história daquele lugar conhecido em Manaus como “berço do samba” e do boi-bumbá, além do folclore e para destacar a herança cultural que mantém viva.
Reconhecida pela Fundação Cultural Palmares desde 2014 como uma comunidade de remanescentes quilombolas autodenominada urbana, o Quilombo Barranco de São Benedito nasceu, no final do século 19, reunindo os maranhenses negros e negras vindos a convite do então governador Eduardo Ribeiro, que também era negro para ajudar a construir a cidade de Manaus.

'Nós viemos aqui para beber ou pra conversar?' Beber. E depois a matança...
Aqui, também reconstruíram suas histórias, conta o professor Vinícius Alves da Rosa, autor de uma dissertação com o tema
“A Comunidade do Barranco de São Benedito em Manaus: Processos para o reconhecimento do território quilombola”, defendida na Universidade do Estado do Amazonas (UEA) em 2018, pelo Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH).
Na época da vinda deles, a Praça 14 tinha outro nome e era formada por chacras, sítios, áreas de mato, casas de barro e madeira em sua maioria, conta Vinícius, que agora é doutorando pelo Programa Pós-Graduação em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
Na cidade, os homens maranhenses trabalharam nas obras públicas e as mulheres na culinária, na lavagem de roupas, sem deixar de praticar a religiosidade de matriz africana. “Junto com eles veio a devoção a São Benedito e também o bumba meu boi”, explica o professor, destacando que o senhor Raimundo Nascimento Fonseca foi quem iniciou a brincadeira do Boi Caprichoso em Manaus.
Ao descrever a trajetória histórica da comunidade, Vinícius analisa as etapas percorridas por esses agentes sociais até o reconhecimento oficial pelo estado brasileiro de que, naquela área urbana, estava um remanescente de quilombos.
“Há uma caracterização sociológica, da profissão, escolaridade, religião, da cor, etnia dessas pessoas que se organizam nesse quilombo e eu analiso esse processo”, explica ele, para afirmar o protagonismo da comunidade onde nasceu a primeira escola de samba do estado, a Escola Mixta de Samba, assim como o folclore e danças. “Sempre houve essa relação muito forte com a dança, brincadeiras e folclore e dessa escola samba na década de 70 nasceu a Vitória Régia”, conta ele.
Ao apontar que na devoção a São Benedito, encontram-se os rituais de resistência dessa comunidade, Vinícius celebra a importância de nomes como da tia Lurdinha, tia Lindoca, fundadoras da escola e Nestor Nascimento, jornalista, advogado e intelectual fundador dos movimentos de negritude no Amazonas, que dialogava com o movimento nacional e internacional negro. “Ele foi precursor da luta dos movimentos sociais no estado do Amazonas”, destaca.
PROTAGONISMO
O protagonismo das mulheres liderando os festejos de São Benedito, que se inicia no mês de março de cada ano, passado de mãe para filhas, netas e bisnetas, é o destaque feito pela integrante e uma das fundadoras da Associação das Crioulas do Quilombo Urbano de São Benedito, em 27 de setembro de 2014 e que tem, atualmente, 22 associadas, Rafaela Fonseca da Silva.
Pedagoga, especialista em docência do ensino Superior e mestranda do Instituto de Educação Tecnológica (Ifam), da quinta geração das crioulas e uma das coordenadoras das rodas de conversas e debates da Associação das Crioulas, Rafaela afirma que essa nova geração teve a oportunidade de acessar a educação, fazendo curso superior e conquistando outros espaços que deram visibilidade e respeito à comunidade.
Para ela, pesquisas científicas como a do professor Vinícius, registram as narrativas dos mais velhos, dos negros da Praça 14, que não escreveram livros, não estão nas universidades e ficaram invisíveis no Amazonas por muito tempo.
“O trabalho é importante até para se contrapor à tese da inexpressividade da presença do negro no Amazonas, mostrar como se constitui essa comunidade, que sofreu preconceito racial, mas que muito contribuiu do ponto de vista cultural e educacional para o estado do Amazonas”, afirma.
Sobre a Associação das Crioulas, Rafaela conta do trabalho com reciclagem e artesanato, sem perder de foco a questão social agregando valores como o do “trabalho de crioula” retratado em bonecas negras como as lavadeiras, quituteiras, amas de leite, em garrafas de vidro, para mostrar de onde vieram as mulheres que hoje são mestras e doutoras formadas.
Rafaela afirma que as tradições culturais e sociais repassadas de mães para filhas, netas e bisnetas trouxe o empoderamento das mulheres da Associação de Crioulas do Quilombo de São Benedito que continuarão sendo semeadas nas gerações futuras para que a invisibilidade dos negros no Amazonas fique somente nos livros que falam de um passado que não mais voltará.

ASSUNTOS: Manaus