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De direita na imigração e de esquerda na economia, novo partido alemão será central em eleições regionais

Por Folha de São Paulo

31/08/2024 9h45 — em
Mundo



SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As eleições regionais deste domingo (1º) na Alemanha, que tomaram proporções nacionais devido à possibilidade de que a extrema direita chegue ao poder nos estados da Saxônia e da Turíngia, devem ser decididas pelo desempenho de um novo partido na cena política do país —a BSW (Aliança Sahra Wagenknecht), cujo apoio será central para qualquer negociação de governo no dia seguinte aos pleitos.

Fundada em janeiro deste ano, a BSW leva o nome da deputada federal ex-comunista que liderou um racha do partido A Esquerda e criou sua própria sigla. Desde então, a agremiação tem desafiado classificações no espectro ideológico e inclusive tem sido acusada de autoritarismo por outros partidos alemães, em parte por causa da força de Sahra como líder da sigla.

A BSW é baseada em uma combinação de crenças políticas: tem posições de esquerda na economia e na política social e de direita quando os temas são imigração e "liberdade de expressão" —a sigla é contra regulações em redes sociais e contra restrições a quem questiona a eficácia de vacinas, a mudança climática ou se recusa a usar linguagem neutra, por exemplo.

Outro eixo importante para a BSW é a defesa do fim do envolvimento da Alemanha em conflitos estrangeiros, seja a guerra Israel-Hamas na Faixa de Gaza ou a Guerra da Ucrânia —a Alemanha é a maior apoiadora militar de Kiev na Europa.

"A Esquerda costumava fazer política para o trabalhador, costumava ter uma forte política de paz. Por isso fui membro daquele partido", diz à reportagem a deputada federal Amira Mohamed Ali, cofundadora e copresidente da BSW. "Mas essas posições foram sendo abandonadas pouco a pouco."

"Observamos que existe hoje na Alemanha um clamor por uma política que coloca o trabalhador e o aposentado no centro, mas que segue um caminho conservador em relação à imigração. Havia um vazio no sistema político-partidário alemão, e nós o ocupamos", acrescenta Ali.

A afirmação parece ainda mais forte tendo em vista a reação ao atentado a faca em Solingen, no oeste da Alemanha, que levou o governo do premiê Olaf Scholz a apresentar leis mais duras contra imigração.

É difícil saber qual dos dois eixos da BSW mobiliza mais o eleitor, mas as pesquisas de intenção de voto nas eleições para os parlamentos da Saxônia e da Turíngia, os estados que vão às urnas no domingo, apontam que a sigla terá um excelente resultado, ficando em terceiro lugar em ambos.

Dessa forma, o partido recém-criado deve chegar ao poder logo na primeira eleição que disputa, uma vez que se torna praticamente incontornável para formação de um governo —nenhuma sigla se mostra disposta a trabalhar com a AfD (Alternativa para a Alemanha), de extrema direita.

"A trajetória da BSW é muito impressionante. Nunca antes na história da República houve um partido tão bem-sucedido meses depois da sua fundação", diz o cientista político André Brodocz, da Universidade de Erfurt, capital da Turíngia, que lembra que a BSW já teve bons resultados na eleição para o Parlamento Europeu em junho.

Para ele, é difícil definir a BSW. "Não estou convencido de que esse partido tem uma ideologia, no sentido de uma visão de mundo. Ele tem, isso sim, respostas políticas para algumas questões, organizadas de um modo que nenhum outro partido tem. É uma inovação política."

É na questão da imigração, mais ainda do que na sua oposição ao apoio de Berlim a Kiev, que a BSW acumula polêmicas. Sahra Wagenknecht já repetiu a tese, contestada por especialistas, de que estrangeiros "roubam empregos" de alemães e prejudicam o Estado de bem-estar social do país.

Para o vice-presidente do partido A Esquerda, de onde a BSW se originou, Sahra encontrou um filão político no discurso anti-imigração no qual vem investindo desde 2015, quando casos de abuso sexual cometidos por imigrantes nas festas de ano novo na cidade de Colônia causaram furor nacional.

"Os acontecimentos em Colônia viraram escândalo graças ao jornal Bild [conhecido tabloide de direita na Alemanha], e Sahra já em 2015 tentou pular nesse trem e instrumentalizar a questão", diz à Folha Lorenz Beutin.

"Como você reage a uma guinada à direita na população? Uma resposta é esclarecer e fazer trabalho de convencimento, e essa é a resposta na qual eu e A Esquerda acreditamos. Outra é repetir o senso comum", provoca Beutin. "Quando você usa clichês fascistas, pode até ter sucesso de curto prazo nas urnas, mas a longo prazo, ajuda a construir um clima político de direita no país."

Amira Mohamed Ali, copresidente da BSW, vê a questão de outra forma. "Mudei de opinião sobre imigração porque a realidade mudou. Gente demais está chegando na Alemanha. Insistir que todos podem permanecer não faz sentido. Precisamos deportar mais", argumenta.

Ela se distancia das posições extremas da AfD, porém, que repete a teoria da conspiração de que alemães brancos estão sendo substituídos por estrangeiros. "Eles falam como se cada imigrante fosse um assassino ou estuprador. É uma posição racista que divide a sociedade, e não a compartilhamos. Mas acreditamos que é preciso dar nome aos problemas que temos com a imigração", insiste Ali.

Para Brodocz, o cientista político, a força tanto da AfD quanto da BSW nos ex-estados da Alemanha Oriental se explica não necessariamente por pouca cultura democrática ou por uma nostalgia do período comunista, mas sim por uma exaustão com mudanças.

"Essas pessoas passaram por momentos de transformações extremas com a reunificação alemã. Agora, diante de desafios que pedem novamente grandes transformações, como a mudança climática, esses eleitores esperam que, se não fizerem nada, a sociedade também não vai mudar. Essa ideia me parece fatal, mas muito difundida por aqui."


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