Entenda por que a imigração é um tema decisivo na eleição dos EUA
BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Apesar de ser um dos temas que mais divide democratas e republicanos, a imigração disparou neste ano como preocupação do eleitorado americano em geral, dominou parte da campanha à Casa Branca e pode ser o principal definidor de ao menos um estado-chave da disputa, o Arizona.
À mercê desse debate está o futuro dos mais de 11 milhões de imigrantes em situação irregular que vivem no país, segundo estimativas de 2022 --e não podem votar. O número representa 23% da população estrangeira nos Estados Unidos e vem crescendo nos últimos anos, após um longo período de queda.
As entradas sem autorização explodiram durante o governo de Joe Biden, sendo um dos principais pontos de cobrança à candidatura de sua vice, Kamala Harris. Só as detenções mensais na fronteira com o México quadruplicaram de 78 mil para 302 mil, comparando janeiro de 2021 ao pico de dezembro de 2023.
No último ano, Biden tomou medidas mais duras: em junho, por exemplo, ele fechou as fronteiras para solicitantes de asilo caso a média diária de ingressos superasse 2.500 em sete dias, marcando uma mudança radical em sua política migratória e gerando críticas de organizações de direitos humanos.
Ao assumir seu lugar como candidata, Kamala, por sua vez, foi pressionada a jogar num campo dominado pelo adversário Donald Trump, cuja gestão ficou marcada pelo chamado Título 42, que facilitou a expulsão imediata de imigrantes com um pretexto sanitário na pandemia. Ele usa a questão politicamente desde a campanha de 2016 e faz do controle da imigração sua bandeira.
Agora, o republicano tem reforçado promessas que galvanizam sua base mais fiel com ideias racistas. Propôs a pena de morte a imigrantes que assassinassem cidadãos americanos --embora essa seja uma atribuição dos estados, não do presidente--, disse que estrangeiros levam "genes ruins" aos EUA e sugeriu reviver uma lei do século 18 para fazer deportações em massa.
A campanha de Kamala tem respondido usando um trunfo recente: uma redução significativa das travessias irregulares na fronteira desde janeiro. Além disso, os democratas criticam Trump e seus aliados no Congresso por usarem politicamente a questão ao derrubarem uma lei do governo que aumentaria investimentos na fronteira.
Todos esses eventos contribuíram para que a preocupação com a imigração atingisse neste ano seu maior nível desde os atentados terroristas do 11 de Setembro. A proporção de americanos que acham que a chegada de estrangeiros deveria diminuir sobe de forma contínua desde 2020, atingindo 55% em junho de 2024, aponta pesquisa da consultora Gallup.
O tema divide claramente democratas e republicanos. Os que concordam com a frase "a abertura dos EUA às pessoas do mundo inteiro é essencial a como nos enxergamos como nação" são 88% do primeiro grupo e apenas 34% no segundo, indicou o Pew Research Center em agosto.
A Gallup também apontou em setembro que, para os republicanos, esse é o segundo assunto no ranking de temas "extremamente importantes" para a escolha do voto, atrás apenas de economia. Já entre os democratas, o tema só aparece em 16º lugar nessa lista, liderada pela democracia.
Apesar da evidente divisão, a preocupação cresce dos dois lados e há pontos em comum. A maioria de ambos os partidos apoia contratar mais agentes de patrulha, suspender os pedidos de asilo quando a fronteira estiver sobrecarregada e permitir que quem chegou aos EUA quando criança possa se tornar cidadão americano.
Um dos locais mais afetados pelo tema da imigração, vizinho do México, é o Arizona, um dos sete estados-chave para a disputa, já que nos EUA é preciso conquistar região por região. Das 302 mil detenções de imigrantes cruzando a fronteira ilegalmente em dezembro do ano passado, 91 mil ocorreram ali.
Além de votar para presidente até esta terça (5), a população local também vai às urnas para decidir se o governo estadual deve criar novos crimes para imigrantes que entram sem autorização no estado.
A questão a nível nacional se entrelaça à maior preocupação dos eleitores nesta eleição: a economia. Existe uma enorme lacuna no mercado de trabalho americano, com 8 milhões de vagas de emprego e 6,8 milhões de desempregados, segundo a Câmara de Comércio dos EUA.
Ugochi Daniels, vice-diretora de operações da Organização Internacional para as Migrações (OIM), cita essa lacuna como indutora da demanda por trabalhadores em países desenvolvidos. "Ainda que seja um direito dos governos controlar suas fronteiras, isso não vai impedir as pessoas de chegarem de forma irregular", diz ela à Folha.
O voto dos americanos classificados de latinos ou hispânicos também pode ser determinante no pleito. Eles são estimados em cerca de 15% dos eleitores e foram o segundo grupo étnico que mais cresceu desde a eleição passada (atrás dos asiáticos), na qual tiveram participação recorde.
Embora Trump tenha obtido avanços em 2020, a maioria tende ao Partido Democrata e votou em Biden (59%).
Num comício recente de Trump em Nova York, a piada racista de um humorista sobre a ilha de Porto Rico, território não incorporado dos EUA, foi vista como um tiro no pé ao republicano. Ele tentou se dissociar do autor em busca do voto latino.
O número de estrangeiros em geral aptos a ir às urnas no país também não é insignificante. Um em cada dez eleitores nasceu fora dos EUA, quantia que vem crescendo desde o início do século e é resultado principalmente da naturalização de imigrantes que estão há décadas no país, segundo o Pew Research Center.
A composição atual da população americana é fruto principalmente de uma lei assinada em 1965, pelo democrata Lyndon Johnson. Ele retirou as cotas para imigrantes da Europa ocidental, que restringiam outras nacionalidades, e baseou as concessões de visto em formação profissional, relações familiares e solicitações de refúgio.
Em 1990, o republicano George H. W. Bush também ampliou as possibilidades de visto. Se em 1960 a fatia de imigrantes europeus era de 67%, contra apenas 9% de latino-americanos e caribenhos, em 2013 a proporção se inverteu, com 52% vindos da região e apenas 13% da Europa. Os asiáticos, inexistentes nas primeiras estatísticas, já eram então 27%. Em pouco mais de 50 anos, os estrangeiros passaram de 5% a 14% da população americana.
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