Foi tudo muito repentino, diz brasileiro há 16 anos na Coreia do Sul sobre lei marcial
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O brasileiro Carlos Gorito, 38, mora na Coreia do Sul desde 2008 e conhece bem o histórico de instabilidade política do país asiático. Ele diz ter ficado chocado, porém, com a aplicação repentina nesta terça-feira (3) da lei marcial, uma medida do presidente para amordaçar a oposição com uso do Exército e que em nenhum momento chegou a ser cogitada em debates públicos, por analistas ou opositores, segundo ele.
"Estava em casa, fazendo reunião. Quando terminei, abri as notícias e fiquei chocado. Já passei por momentos de instabilidade política aqui durante os protestos de 2016 e 17, mas há mais de 40 anos não tínhamos lei marcial", diz ele à Folha. "A minha esposa acordou chorando, dizendo que era uma tragédia."
Gorito é empresário e apresenta programas na televisão. Logo após a aplicação da medida, por volta das 22h30 no horário local, ele conta ter recebido uma enxurrada de mensagens de colegas e funcionários. Todas manifestavam preocupação. Um de seus conhecidos chegou a perguntar se era necessário estocar alimentos, por exemplo. Outros, se haveria expediente no dia seguinte.
Há mais de uma década no país sul-americano, no entanto, o brasileiro já se considera calejado com a política sul-coreana. Ele mora na região central de Seul, próximo do antigo palácio presidencial, e diz que as ruas permaneceram tranquilas. Logo percebeu que o presidente Yoon Suk Yeol estava isolado.
O brasileiro traça paralelos com os protestos massivos que ocorreram na Coreia do Sul em 2016 e 2017. À época, milhões de pessoas foram às ruas em apoio e rechaço à então presidente Park Geun-hye, acusada de envolvimento em esquema de corrupção e que acabou afastada e alvo de impeachment.
Ela é filha do ditador militar Park Chung-hee, que comandou o país entre 1961 e 1979, um dos nomes mais polêmicos da política sul-coreana. Acusado de torturar e prender oponentes, ele também é considerado o pai do alto crescimento econômico do país nas décadas de 1960 e 1970.
"O núcleo político dela era diretamente ligado a quem controlou a Coreia por vários anos. Essa herança gerava muito mais tensão. E os protestos foram graduais, as pessoas foram sentindo até onde poderiam chegar", afirma ele. "Hoje foi repentino, mais radical e pegou todos de surpresa. Isso também acabou soando como algo artificial."
Impopular, o atual presidente, Yoon, também tem sido alvo de protestos. Para o brasileiro, a lei marcial aplicada pelo líder de direita, que tem a trajetória comparada ao do hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR), parece uma medida desesperada.
Yoon anunciou o decreto em rede de TV. Cerca de duas horas após a mobilização do Exército, que suspendeu liberdades civis e invadiu o prédio da Assembleia Nacional, deputados de oposição comandaram uma reação legislativa.
Mais tarde, com uma votação unânime de 190 parlamentares, nenhum deles do governo, a oposição derrubou o decreto, conforme permite a Constituição do país. Yoon cedeu e suspendeu a medida. Segundo ele, o Comando da Lei Marcial recuou.
O decreto de lei marcial, previsto na lei coreana em caso de guerra, sublevação interna ou catástrofe natural, passou poderes executivos às Forças Armadas sob Yoon. Tal medida não era evocada no país asiático desde o golpe de Estado de 1979, um dos vários de sua história, e durante repressão a protestos no ano seguinte.
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