Itamaraty vê risco de Trump tumultuar maioria das negociações multilaterais
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Argentina de Javier Milei ganhou um aliado de peso para bloquear ou tumultuar negociações multilaterais. O Itamaraty dá como certo que os negociadores americanos vão paralisar grande parte dos acordos e declarações globais durante o governo de Donald Trump, além de usar as contribuições financeiras dos Estados Unidos para as organizações como instrumento de barganha.
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A delação de Cid e o futuro da justiça no Brasil
Trump já anunciou a retirada dos Estados Unidos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Acordo do Clima de Paris. Deve barrar ainda outros acordos que não sigam as diretrizes da plataforma "América em Primeiro Lugar".
Entre os temas vetados estão: igualdade de gênero, diversidade, impostos sobre bilionários, combate a discurso de ódio e desinformação, desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas. Esses critérios também serão usados para cortar ajuda financeira internacional dos EUA, que foi suspensa por 90 dias.
Diplomatas envolvidos em negociações já preveem impasse na declaração da cúpula do G20, que se realiza em novembro na África do Sul, e na reunião da ONU em julho, na Espanha, sobre financiamento para países pobres alcançarem os objetivos de desenvolvimento sustentável, além de nas negociações econômicas e de comércio. Os EUA também já abandonaram acordo de taxação global da OCDE, o clube dos países ricos.
Também se espera que Trump anuncie a saída dos EUA da Unesco e do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Em seu primeiro mandato, o republicano deixou as duas instituições afirmando que elas teriam um viés contrário a Israel, de quem Washington é uma histórica aliada diplomática e militar.
Diplomatas ouvidos pela reportagem avaliam que, dessa vez, Trump assumiu a Casa Branca muito mais preparado, e que vai ser difícil os funcionários de carreira brecarem as medidas mais radicais.
No primeiro mandato, esses funcionários públicos americanos agiram para encontrar uma linguagem aceitável em acordos e impedir que houvesse mais disrupção em negociações como as do G20. Agora, servidores considerados desleais à agenda de Trump serão demitidos. Os que sobrarem estarão sob escrutínio contínuo.
Nas negociações regionais, a tendência é a formação de um bloco conservador unindo EUA, Argentina e El Salvador, com Paraguai se juntando algumas vezes. Todos esses países têm presidentes de direita.
Javier Milei já deu uma amostra de como um país oposto ao multilateralismo pode bloquear consensos e acordos. O argentino enviou instrução ao seu Ministério das Relações Exteriores afirmando que seriam instados a se retirar todos os diplomatas que apoiassem qualquer declaração, resolução ou projeto endossando a Agenda 2030 da ONU ou os objetivos da entidade.
Em setembro, Buenos Aires não apoiou o Pacto do Futuro da ONU, uma declaração não vinculante que promove mitigação climática, empoderamento feminino e regulação de inteligência artificial.
A Argentina também foi o único país a votar contra uma resolução da ONU que condena violência contra mulheres e meninas, em novembro. Irã, Arábia Saudita e Coreia do Norte se abstiveram. Os representantes de Milei afirmaram que a resolução continha termos, como discurso de ódio e desinformação, que poderiam ser usados de forma abusiva para restringir a liberdade de expressão.
Também em novembro, Buenos Aires retirou sua delegação da COP, a conferência do clima da ONU, em Baku, no Azerbaijão.
Na declaração do G20 no Rio, o país tentou barrar menções a taxação de super-ricos, desigualdade de gênero e desenvolvimento sustentável. Mas Milei acabou se contentando com a leitura de uma declaração separada e não bloqueou a declaração do grupo, algo que ele poderia ter feito.
Os EUA, no entanto, têm muito mais peso que a Argentina e não devem concordar com notas de rodapé ou declarações separadas, na visão de diplomatas. Negociadores avaliam que os americanos devem barrar acordos que exigem consenso.
Ainda mais perniciosa será a ameaça de cortar as contribuições financeiras dos EUA a organizações multilaterais como forma de impor alguns temas e bloquear outros. Trump vem seguindo a estratégia transacional com ameaça de tarifas fez isso contra a Rússia, pressionando o país a encerrar a Guerra da Ucrânia, e com o Canadá e o México, na tentativa de coagir os vizinhos a reduzir a imigração ilegal e o tráfico de fentanil.
Da mesma maneira, espera-se que Trump lance mão de ameaça de vetar recursos a organizações para chegar a seus objetivos. A pressão seria potente, já que os EUA são os maiores financiadores da maioria delas. Esse era o caso da OMS, para a qual os EUA doaram US$ 1,28 bilhão em 2023, perfazendo 15% do orçamento total. A China, por exemplo, contribuiu com US$ 157 milhões no mesmo período. Alemanha é o segundo maior, com US$ 856 milhões. O Brasil teve contribuição de US$ 28,2 milhões à OMS em 2023 (o governo brasileiro estava devendo a várias entidades e regularizou os pagamentos em 2024).
Em seu primeiro mandato, a primeira proposta de orçamento de Trump previa enormes cortes às contribuições dos EUA ao orçamento da ONU. A proposta foi rejeitada, em parte, pelo Congresso. As contribuições dos EUA cobrem 22% do orçamento regular das Nações Unidas.
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