Milhares vão às ruas na Argentina por mais verba para universidades
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Aquele que parece ser um dos únicos fios condutores de protestos em massa contra as decisões de Javier Milei na Argentina, a educação pública voltou a levar milhares de pessoas às ruas nesta quarta-feira (2), quatro meses após protesto semelhante em abril.
Argentinos se manifestaram nos arredores do Congresso em Buenos Aires e em diferentes partes do país contra o anúncio da Casa Rosada de que vetará a Lei de Financiamento Universitário aprovada pelo Legislativo no último dia 13. Não houve repressão ou confronto.
A medida declara emergência orçamentária no sistema universitário e exige que o Poder Executivo atualize os salários dos trabalhadores do setor com base na inflação acumulada desde dezembro de 2023, recompondo os valores. Também estabelece que o governo atualize o orçamento para funcionamento universitário de forma bimestral.
Nos primeiros oito meses deste ano, até agosto passado, o governo transferiu às universidades públicas nacionais, nas quais também estudam muitos brasileiros, um montante que foi 30% menor que o transferido no mesmo período de 2023, descontando-se a inflação.
Na agenda está principalmente o salário dos docentes universitários. Os dados da Conadu, a Federação Nacional de Docentes Universitários, mostram que a renda mensal desses profissionais aumentou em agosto 76% em relação a dezembro passado. Enquanto isso, a inflação foi de 94,8%. Há um gap de quase 20% na perda salarial.
Assim que o conteúdo foi aprovado no Senado, a última Casa a analisá-lo, porém, Milei anunciou seu veto. Segundo argumentou nesta terça (1º) seu porta-voz, o ministro de Comunicação Manuel Adorni, "o governo não é contra a reivindicação, mas é contra o Congresso sancionar uma lei sem indicar de onde vai tirar o dinheiro".
A administração da Casa Rosada acusa as universidades públicas de não prestarem contas de todos os seus gastos. Adorni, que é economista, afirmou que não foram prestadas contas de 89% dos fundos transferidos para as instituições de 2015 a 2022, por exemplo. "Essa falta de controle de gastos torna imprescindível a sua revisão."
Uma análise do canal Todo Notícias da Argentina mostrou que, das 62 universidades nacionais, apenas dez terão um aumento superior à inflação no ano que vem, segundo o orçamento nacional que Javier Milei destrinchou há duas semanas no Congresso.
O X da questão é se Javier Milei tem, de fato, capacidade de vetar a recomposição do orçamento universitário, que diz ser inimiga de sua proposta de déficit zero. Ocorre que na Argentina o veto presidencial precisa ser validado por ao menos uma das duas Casas legislativas. E a situação para o presidente não é fácil.
Na Câmara de Deputados, o governo precisa de ao menos 86 votos para manter o veto. A matéria, porém, foi aprovada nesta Casa por 143 votos contra apenas 77 negativos. O Liberdade Avança, partido de Milei, tem poucas cadeiras no Legislativo, e depende das negociatas para fazer aprovar suas propostas.
O governo de Milei tem sido alvo de protestos até o momento não tão expressivos. Os temas que mais levaram pessoas às ruas até aqui foram, respectivamente, o veto ao ajuste nas aposentadorias pelo presidente, e o tema desta quarta-feira, a educação pública superior.
Analistas ponderam que a diminuição da verba para grupos que organizavam os protestos no país junto a uma ideia de que é preciso sacrificar-se por uma mudança na economia são dois dos fatores que amortecem atos massivos. A pobreza está em níveis recordes na Argentina. O consumo caiu. O custo de vida aumentou.
Ao protesto pelas universidades compareceram estudantes, docentes, trabalhadores de outras áreas das instituições e muitas famílias. Diversos partidos, alguns que inclusive negociam com o governo, convocaram presença. O assunto gera apelo no país, e recentemente a UBA (Universidade de Buenos Aires) ultrapassou a USP e se tornou a melhor da América Latina segundo o ranking QS World.
O tema também interessa (e muito) aos estudantes brasileiros na Argentina. As acusações do governo de Milei sobre o orçamento do ensino superior fizeram sua administração ventilar a ideia de cobrar mensalidades dos estudantes estrangeiros nas universidades.
Uma análise do portal Chequeado, especializado em checagens de informações e em dados, mostra que estudantes de fora do país representam 4,1% dos estudantes universitários no país. No curso de medicina, nos quais reinam os brasileiros, há 23% de estrangeiros.
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