Presidente da Coreia do Sul declara lei marcial, mobiliza Exército, e oposição vota para anular medida
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, decretou lei marcial nesta terça (3), pegando o país de surpresa em meio a uma grave disputa com a oposição, que denunciou a ação como uma tentativa de golpe de Estado e aprovou moção parlamentar para anular a medida.
Atividades políticas e liberdades civis foram banidas, militares tomaram as ruas de Seul e invadiram a Assembleia Nacional, começando a deixar o prédio após o voto contra a medida.
Há milhares de pessoas na frente da sede do Legislativo protestando contra Yoon, mas o Exército diz que só irá suspender a execução da lei quando o líder determinar. Até mesmo seu partido, o Poder do Povo, pediu para que ele cancele a medida.
É a primeira vez que a lei marcial é imposta no país asiático desde 1979, em meio a um dos um dos vários golpes da história sul-coreana.
"Eu declaro lei marcial para proteger a livre República da Coreia da ameaça das forças comunistas da Coreia do Norte, para erradicar as desprezíveis forças antiestatais pró-Coreia do Norte que estão pilhando a liberdade e a felicidade do nosso povo, e para proteger a ordem constitucional", disse Yoon.
Até aliados de Yoon, como o líder de seu partido, Han Dong-hoon, criticaram a ação. Ele disse que a lei marcial não deve ser respeitada porque é uma decisão "errada".
Houve confrontos na frente da Assembleia Nacional e dentro do prédio, onde assessores parlamentares da oposição receberam soldados com jatos de extintores de incêndio. Blindados e helicópteros foram empregados pelos militares.
Após muita confusão, mesmo com a presença militar, 190 dos 300 deputados do país conseguiram se reunir no prédio e aprovaram de forma unânime uma moção declarando a lei ilegal, já na madrugada de quarta (4, tarde de terça no Brasil).
Ainda não há uma manifestação do Judiciário sobre a crise, mas a Constituição prevê que o Executivo respeite a decisão do Legislativo. Às 2h (14h em Brasília), redes de TV relataram que os militares na Assembleia começaram a deixar o prédio.
Segundo o Comando de Lei Marcial, instituído por Yoon e com o chefe do Estado-Maior do Exército, general Park An-su, à frente, liberdades civis estão restritas. Todos que desrespeitaram regras poderão ser presos, segundo divulgou o Exército, e a as atividades políticas de partidos dentro e fora do Parlamento estão proibidas por ora.
O comitê diz ter colocado a usualmente vibrante imprensa do país sob seu controle, mas não está claro como isso será imposto até aqui.
Lei marcial geralmente é evocada em tempos de guerra, como na Ucrânia. Nela, poderes discricionários são passados para as Forças Armadas, com ou sem controle civil delas no Brasil não há tal instrumento na Constituição. A rigor, Seul está num conflito congelado com Pyongyang desde o armistício que pôs fim a três anos de combate em 1953.
- Como é visitar a zona desmilitarizada entre as Coreias do Norte e do Sul
Yoon, do conservador Partido do Poder do Povo, tem enfrentado resistência do Congresso, que é controlado desde abril deste ano pelos liberais do Partido Democrático a agremiação oposicionista soma 170 dos 192 assentos contrários ao governo, que tem 108 deputados.
A mais recente querela é sobre o orçamento do ano que vem, que adversários dizem ser uma cortina de fumaça para tirar foco de escândalos envolvendo aliados e até mesmo sua mulher, criticada por aceitar uma bolsa de luxo e acusada de manipular o mercado de ações.
O líder da oposição, Lee Jae-myung, comanda a tentativa de reação. Ele foi impedido inicialmente de reunir-se com seus colegas opositores no Parlamento pelos militares, mas ao fim conseguiu realizar a sessão condenando a lei mesmo com o complexo da Assembleia Nacional tomado pelo Exército.
Em seu pronunciamento em rede nacional no fim da note (fim da manhã no Brasil), que não havia sido anunciado, Yoon disse que "não teve outra escolha". Segundo ele, a gota d'água foi uma moção do partido Democrático para impedir alguns procuradores de Estado e sua rejeição ao orçamento proposto pelo Executivo.
A gravidade da crise, apesar das contínuas rusgas entre governo e oposição, não era esperada desta forma. A política sul-coreana sempre contrastou com sua pujança econômica, sendo um campo minado de disputas.
Desde que foi criado em 1948, o país foi governado por uma ditadura militar e líderes autocráticos até 1987, quando começou a transição para a democracia liberal que ganhou corpo pleno apenas em 2002.
No Parlamento, tal vitalidade ganhou ares às vezes farsescos, com as famosas brigas físicas entre deputados, mas nada indicava uma regressão ao tempo de golpes militares.
A acusação de que a oposição apoia a Coreia do Norte também parece fora de lugar. Nos últimos meses, a aprovação de Yoon havia caído aos piores níveis desde que assumiu o governo, em 2022. Na semana passada, o instituto Gallup Korea apontou que apenas 19% dos sul-coreanos apoiam o líder.
Seu rival Lee, a quem Yoon derrotou marginalmente na eleição presidencial passada, disse à Yonhap que o país será "governado por tanques, blindados de transporte de pessoal e soldados com armas e facas'.
"A economia da República da Coreia vai colapsar de forma irreversível. Meus concidadãos, por favor venham à Assembleia Nacional", disse, usando os nomes formais do país e do Congresso. A Bolsa de Seul poderá não abrir nesta quarta (4), e há o won, moeda local, sofreu queda ante o dólar.
No discurso, o presidente usou eufemismos acerca do que parece se configurar como um autogolpe. "A declaração da lei marcial vai causar algumas inconveniências às pessoas de bem que acreditam e seguem os valores da Constituição, mas eu vou focar em minimizar esses inconvenientes."
A crise ocorre no momento de grave tensão com a Coreia do Norte, cujo ditador Kim Jong-un recrudesceu a retórica militarista e até explodiu estradas que ligavam os dois países. Kim assinou um polêmico acordo de defesa mútua com a Rússia de Vladimir Putin e aparentemente enviou soldados para lutar na Ucrânia.
Os Estados Unidos, principais fiadores de Seul, disseram estar "monitorando a situação", segundo a Casa Branca. Yoon é um aliado próximo de Washington, vital para a estratégia americana de tentar conter a China no teatro da Ásia-Pacífico.
Desde o governo anterior ao de Yoon, Washington elevou a retórica contra Pyongyang. No ano passado, colocou os sul-coreanos no comitê que define o uso de armas nucleares em caso de um ataque do Norte, atraindo críticas da Rússia e da China, aliadas de Kim.
ASSUNTOS: Mundo