Trump faz 'diplomacia do bullying' ao receber líderes estrangeiros na Casa Branca
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WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem rompido com a praxe de governos passados e imprimido um novo modelo nos encontros bilaterais, no início do segundo mandato, ao deixar boa parte das reuniões abertas à imprensa e até constranger líderes na Casa Branca.
As visitas das autoridades estrangeiras ocorrem no Salão Oval da sede do Executivo americano. Esses encontros costumavam ser abertos à imprensa por um curto período de tempo, apenas para o registro de imagens e para que os jornalistas pudessem ouvir as saudações das autoridades.
Às vezes, só repórteres fotográficos e cinematográficos tinham a entrada permitida. O presidente não respondia a perguntas, deixando essa etapa para entrevista coletiva após o encontro bilateral.
Trump mudou esse padrão ao deixar as visitas abertas por um longo período e responder a diversas questões, em momentos que, por vezes, tornam-se constrangedores para os convidados.
O caso mais evidente foi o encontro com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, marcado por um bate-boca sem precedentes na história da Casa Branca. Naquele dia, a entrevista coletiva que deveria ocorrer foi desmarcada, e o líder ucraniano deixou o local antes da hora.
Mas o estilo afrontoso de Trump tem permeado outros encontros, em que ele faz questão de apontar publicamente as diferenças ou tensões que tem com o convidado da vez.
Michael Shifter, professor da Universidade Georgetown, avalia que Trump tem representado uma mudança em todas as áreas do governo porque se concentra na performance, no estilo "showman", para mostrar autoridade.
"Ele busca atenção pública, seja boa ou ruim. O marcante sobre a reunião com Zelenski e outros é a forma como ele usa seu poder, como se fosse um rei para transmitir que está no controle", diz Shifter, que é associado e ex-presidente do Inter-American Dialogue, fórum de políticas sobre assuntos do Hemisfério Ocidental.
"Qualquer tipo de repreensão feita por outros presidentes tendia a ser em privado. Humilhações e insultos sempre foram um instrumento para Trump. O fato novo é que ele faz isso publicamente na frente da imprensa."
A primeira reunião de Trump desde a posse foi com o premiê israelense, Binyamin Netanyahu. Na ocasião, ele deixou o encontro no Salão Oval aberto por cerca de 15 minutos, ouviu perguntas e repetiu seu posicionamento de que gostaria de expulsar todos os palestinos da Faixa de Gaza.
Depois, Trump avançou e disse que tomaria Gaza. Não ficou claro se Netanyahu foi surpreendido, ou não, pela declaração. Mas o objetivo foi demonstrar uma aliança, e o premiê israelense saiu fortalecido.
Na reunião seguinte, a situação já foi diferente. Trump recebeu Shigeru Ishiba, primeiro-ministro japonês. Pouco antes de recepcioná-lo no Salão Oval, o americano disse à imprensa que iria ampliar tarifas extras ao país se o déficit comercial não fosse acertado. O republicano deixou o encontro aberto por 30 minutos e depois deu uma entrevista coletiva.
Em 11 de fevereiro, Trump recebeu o rei Abdullah 2º, da Jordânia, e o príncipe do país, Al Hussein bin Abdullah. O contexto era de pressão para que a nação recebesse palestinos expulsos de Gaza.
Em cerca de 26 minutos, o presidente americano provocou o tema, mas em tom respeitoso. O rei, por sua vez, optou por parcimônia. "É difícil fazer isso [resolver o conflito em Gaza e receber os palestinos] num jeito que seja bom para todos", disse ele.
Ao receber Emmanuel Macron, presidente da França, em 24 de fevereiro, Trump voltou a repetir as críticas de que os EUA gastaram demais para armar a Ucrânia na guerra com a Rússia em contraposição aos europeus. O francês corrigiu Trump sobre os gastos durante a guerra. Diante dos repórteres, o republicano adotou uma expressão irônica como se duvidasse da informação transmitida pelo homólogo europeu.
Na semana passada, Trump se reuniu com o primeiro-ministro da Irlanda, Micheál Martin, para um encontro anual entre as autoridades por ocasião do Dia de São Patrício, celebrado na segunda-feira (17).
O presidente americano deixou o encontro aberto e respondeu a perguntas da imprensa durante 50 minutos. Trump fez questão de defender, diante de todos, as tarifas impostas à União Europeia, bloco do qual a Irlanda faz parte, e abordou o déficit do país, dizendo que os irlandeses estão no grupo dos que "se aproveitam dos EUA". O dia, que era para ser leve, teve momentos de apreensão.
O professor de Georgetown avalia que ninguém está isento ao estilo de Trump, mas quem evita o conflito público se blinda de agressões. Para Shifter, o encontro com Zelenski tomou outro caminho justamente por ele ter marcado um ponto de vista distinto do republicano.
Ele afirma também que a maior consequência da postura de Trump é que os Estados Unidos passam a ser vistos como imprevisíveis na diplomacia. "Faz os EUA serem muito pouco confiáveis. A qualquer momento eles podem ser duros e usar todos os instrumentos de poder contra você sem razão, aviso ou antecipação. O efeito é que os países, na medida do possível, tentarão ter algum seguro contra isso e fortalecer relacionamentos com outras nações."

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