Queimadas e o projeto embrionário
Neste domingo 5, Manaus teve mais um dia de fumaça e ar considerado péssimo, pelo oitavo dia seguido. Resultado de queimadas que, segundo o governador Wilson Lima (União Brasil), acontecem no vizinho estado do Pará. Órgãos de saúde continuam a recomendar cuidados que a população amazonense deve tomar para se proteger dos efeitos da fumaça que, na manhã do sábado, fez “desaparecer” a ponte Rio Negro, tamanha a intensidade. Ao mesmo tempo, mesmo com o início da subida dos rios, todo o Amazonas enfrenta graves problemas com a grande seca deste 2023. Na imprensa, as notícias não são exatamente animadoras.
No Portal do Holanda, por exemplo, a Coluna pinçou algumas manchetes do sábado 4: “Fumaça se intensifica e Manaus amanhece com ar irrespirável neste sábado”; “Comunidades isoladas pela seca em Parintins recebem equipamento para água potável”; “Chuvas abaixo da média impactam recuperação de rios da Bacia Amazônica”; “Amazonas só deve registrar chuvas em dezembro”; “Ibama inicia testes de aptidão física para curso de brigadistas no Amazonas”. Mas, além dessas aí citadas, há outra que pode ser o embrião de uma ideia até aqui inédita. Ou, se antes foi proposta, não recebeu grande divulgação. E por isso precisa ter mais explicações.
“Manaus inicia tratativas para criar comitês de combate às queimadas”, é o título da matéria. Trata-se de proposta para criação do Comitê Intermunicipal Permanente da Região Metropolitana de Manaus, com o objetivo de enfrentar as queimadas e os efeitos da fumaça. Com envolvimento da AAM (Associação dos Municípios do Amazonas), prefeitura de Manaus e órgãos do governo estadual, a exemplo da Secretaria de Produção Rural e Defesa Civil. “A iniciativa busca sustentar a atuação dos municípios envolvidos no processo de gestão, desenvolvimento e fortalecimento das atividades de forma regionalizada, lê-se numa parte do texto.
No material divulgado, o titular da Semmas (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade), Antônio Stroski, faz um resumo sobre a proposta: “Todos estão alinhados. Já tivemos a reunião deliberativa e agora estamos trabalhando de forma estratégica para atuar contra essa prática em nossa região. Vamos punir aqueles que ainda insistem em cometer esse crime ambiental”, afirmou. Além do secretário, nenhuma outra autoridade de outros órgãos opina sobre o assunto. Por outro lado, sem citar autoria, o texto dá uma explicação sobre a pretensão do possível futuro Comitê e o que precisa ser feito para a sua estrutura funcionar.
“Além de combater o desmatamento e queimadas, o Comitê vai em busca de verba para reestruturar e fortalecer ainda mais as equipes das secretarias de Meio Ambiente dos municípios. Pretende-se a interferência nas velhas práticas, adotando as tecnologias já definidas pela Embrapa, que contemplam também a agricultura familiar, visando a substituição do uso do fogo no preparo do solo”. Ou seja: para levar a ideia adiante, também é necessário buscar recursos financeiros. Portanto, ainda é uma ideia embrionária, que tem o mérito de buscar a “causa” de um antigo e bem conhecido costume (=grande problema): o fogo para limpar e preparar o solo para o plantio.
EMBRAPA TEM PESQUISA
A Coluna encontrou uma publicação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), de 29 de janeiro de 2019. Sob o título “Pesquisas comprovam efeitos danosos das cinzas queimadas no solo e na água”, pode-se ler o seguinte: “ Cientistas concluíram que a presença das cinzas das queimadas altera a composição química do solo e, quando ocorre o escoamento superficial após uma chuva, substâncias presentes nelas atingem as águas subterrâneas e superficiais, contaminando-as. Compostos nitrogenados e potássio, especialmente, se solubilizam na água e, em altas concentrações, se tornam tóxicos às espécies aquáticas e aos organismos do solo e também afetam a qualidade da água”.
Mais: “Esses resultados são importantes porque, ao longo do tempo, o fogo tem sido utilizado na agricultura como estratégia para o manejo de áreas. As cinzas das queimadas são compostas por grande quantidade de nutrientes (cálcio, fósforo, magnésio, nitrogênio, entre outros) que fertilizam o solo, e, por isso, favorecem o crescimento de plantas. Além disso, o fogo é importante para a germinação das sementes de algumas espécies nativas e para ocupação da área por espécies exóticas. A presença das cinzas também tem forte influência na revegetação das áreas queimadas, mantendo, após algum tempo de recuperação, parte das espécies nativas”. Não é, no entanto, uma defesa das queimadas. Ao contrário.
“Apesar desses pontos positivos, pesquisas desenvolvidas pela Embrapa Cerrados (DF) apontaram que as cinzas de queimadas provocaram na água subterrânea baixa oxigenação, aumento de pH (potencial hidrogeniônico) e presença de compostos químicos, como potássio e nitrato (nitrogênio nítrico). Os microcrustáceos e os peixes foram os mais sensíveis às mudanças no ambiente aquático e as alterações também afetaram espécies da macrofauna do solo, como os enquitreídeos (“minhoquinhas brancas”), ainda consta na publicação, que fala dos efeitos tóxicos das cinzas, verificado em dois anos de pesquisa (2010-2012), no âmbito do projeto “Queimadas e Recursos Hídricos. Projeto financiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
QUEM USA O FOGO PARA PLANTAR?
Nesse mesmo trabalho da Embrapa, citado aqui na Coluna, chama a atenção uma pesquisa realizada com 34 agricultores do Distrito Federal e entorno, “para entender melhor as motivações que levam o agricultor a usar fogo como ferramenta na agricultura”. Trabalho realizado em parceria com a Emater-DF (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal). Maioria dos agricultores do sexo masculino, casados, faixa etária entre 52 e 71 anos. Detalhe: “oriundos principalmente do estado de Goiás e com escolaridade até o ensino fundamental”. Resultado: “fazem uso do fogo para limpeza e preparo do solo antes do plantio e para construção de aceiros nas áreas de produção. Os aceiros são faixas livres de vegetação (o solo fica descoberto), que atua como barreira para retardar ou impedir o progresso de incêndio florestal”. Também utilizam fogo para queimar lixo doméstico.
Há diversas outras informações sobre a pesquisa, inclusive a de que, embora concordem que o uso do fogo “gera impactos negativos ao meio ambiente, os agricultores afirmaram que a mantêm por causa de sua facilidade”. Conclusão: “Torna-se perceptível que há um dilema entre decidir por fazer ou não o uso do fogo, uma vez que esse recurso é um facilitador das atividades a serem desempenhadas”, comenta o pesquisador da Embrapa Francisco Eduardo de Castro Rocha, ao acrescentar que há também uma forte influência do sentimento de controle, isto é, excesso de confiança de que se pode controlar a situação e que não existe fator de perigo ou pode-se minimizá-lo”.
No caso do Amazonas, a experiência da Embrapa poderá nortear os trabalhos de um futuro/possível comitê de combate às queimadas? No texto divulgado, a Embrapa é citada (“pretende-se a interferência nas velhas práticas, adotando as tecnologias já definidas pela Embrapa, que contempla também a agricultura familiar”). Entende-se que a ideia tem o propósito de juntar vários agentes públicos para resolver graves problemas enfrentados pelos habitantes do Amazonas, e esse pode ser o primeiro passo. Por isso, a população precisa de muitas informações. Sequer foi informado nomes de quem poderá participar. A Coluna sugere ao Portal do Holanda, que reservou um bom espaço para a divulgação dessa ideia, acompanhar de perto o andamento dos acertos e planejamentos em relação ao assunto. É notório que o portal, durante toda essa fase de seca, calor e fumaça, não economiza na divulgação de informações/imagens de um verdadeiro drama vivido pelos amazonenses.
Além de notícias, o assunto já foi abordado em várias ocasiões, pelo próprio diretor-geral, Raimundo de Holanda. Na coluna Bastidores da Política da última sexta-feira, por exemplo, ao comentar sobre a fala do governador Wilson Lima (fumaça em Manaus vem das queimadas, no Pará), está escrito: “O pior é que não estamos fazendo nada para evitar um futuro no qual nossos netos não possam respirar. Ao contrário dos paraenses, a classe política do Amazonas é escandalosamente acomodada”. Então, por essas e outras, o portal tem obrigação de acompanhar e noticiar tudo sobre essa intenção divulgada. Mas não apenas informações oficiais. É preciso ir além. A Redação não pode esquecer a importância desse tipo de pauta.
Tomara que assim seja. Porque, na prática, já pode até ser considerado tradição a Redação, solenemente, ignorar sugestões da Coluna.
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