Penduricalho da AGU abre crise no governo Lula e pode provocar suspensão de acordo salarial
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A criação de um penduricalho de até R$ 3.500 mensais a membros da AGU (Advocacia-Geral da União) abriu uma crise dentro do governo de Lula (PT) e pode provocar a revisão ou suspensão do acordo salarial recém-firmado pelo MGI (Ministério da Gestão e Inovação) com a categoria.
Segundo um interlocutor da pasta comandada por Esther Dweck, a instituição do chamado auxílio saúde complementar passou ao largo da mesa de negociação e está, inclusive, sob análise jurídica, pois pode ser ilegal.
A avaliação dentro da pasta é a de que a regulação dos benefícios pagos a funcionários do Executivo, como é o caso do auxílio, cabe à Secretaria de Relações do Trabalho, vinculada ao MGI. Ao criar a parcela extra, o CCHA (Conselho Curador dos Honorários Advocatícios) usurpou a competência do órgão, segundo a visão do ministério.
O CCHA é uma entidade de natureza privada que administra os honorários de sucumbência recebidos pelos advogados em ações judiciais envolvendo a União. Em nota, o conselho diz que o pagamento "está em absoluta conformidade com a legislação".
A pasta da Gestão estuda as medidas cabíveis e pode até mesmo rever ou suspender o acordo salarial firmado com servidores da AGU, que garante um reajuste de 19% nos vencimentos básicos em duas parcelas, uma em junho de 2025 e outra em abril de 2026.
O penduricalho foi aprovado na segunda-feira (7) por meio de resolução do CCHA. Sua criação foi revelada pela Folha de S.Paulo e gerou indignação em outras áreas do governo.
A medida prevê o pagamento de R$ 3.000 mensais a servidores da ativa e R$ 3.500 para aposentados. O valor foi expressamente classificado como verba indenizatória, será isento de tributos e poderá extrapolar o teto remuneratório do serviço público, hoje em R$ 44 mil equivalente ao que ganha um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).
A parcela extra se somará aos honorários de sucumbência, que já funcionam, na prática, como uma bonificação aos servidores da advocacia do Poder Executivo. No ano passado, o repasse mensal de honorários ficou entre R$ 9.970 e R$ 20,3 mil. Na média, o ganho extra foi de R$ 11,2 mil ao mês.
Uma diferença, porém, é crucial: os honorários ficam dentro do teto remuneratório, assim como os vencimentos básicos recebidos pelo servidor. Por isso, muitos deles já estão próximos do valor máximo e viram, inclusive, alvo do chamado "abate teto", uma dedução do salário para não desrespeitar a regra constitucional.
Usar a sobra de recursos do CCHA para simplesmente ampliar o valor dos honorários teria efeito inócuo para parte dos servidores da carreira. No ano passado, o CCHA distribuiu R$ 1,6 bilhão aos membros da AGU em 2023, abaixo dos R$ 2,4 bilhões destinados ao conselho.
A criação do auxílio saúde complementar, porém, pegou o governo de surpresa e preocupa pelo risco de servir de combustível para outras carreiras voltarem à carga com pleitos de bônus salarial.
Além da AGU, apenas a Receita Federal conta com uma bonificação para si, ambas criadas em 2016. Existe uma pressão latente de outras carreiras pelo mesmo tipo de benefício, que turbina a remuneração mensal dos servidores, mas o MGI tem adotado uma postura intransigível contra esse tipo de parcela.
Por isso, a resolução foi considerada grave e escandalosa por integrantes do Executivo.
Além da questão envolvendo a competência legal para criar o penduricalho, críticos apontam que o novo auxílio da AGU dribla uma decisão do próprio STF. O tribunal validou o pagamento dos honorários de sucumbência, desde que ficassem sujeitos ao teto remuneratório.
Procurado, o CCHA disse que o pagamento "está em absoluta conformidade com a legislação e com a decisão do STF que reconheceu a natureza remuneratória privada desta verba".
"Os advogados públicos recebem, a título de auxílio-saúde, o valor de R$ 161 da administração pública. A nova quantia, oriunda de recursos exclusivamente privados e sem qualquer ônus aos cofres públicos, representa uma complementação ao que já é pago, sistemática semelhante à que seguem outras carreiras de Estado", afirmou.
O presidente da Anauni (Associação Nacional dos Advogados da União), Clóvis Andrade, defendeu a parcela extra como forma de aproximar a carreira às vantagens pagas a outras categorias que compõem o sistema de Justiça, como magistrados, procuradores e defensores, inclusive estaduais.
Segundo ele, os membros da AGU, ligada ao Executivo federal, têm um auxílio saúde abaixo das demais carreiras, que recebem entre R$ 4.000 e R$ 7.000 mensais sob essa rubrica.
"Não estou falando que a remuneração do membro da AGU é baixa. Apenas estou fazendo o comparativo com outras carreiras, demonstrando que ainda existe uma desvantagem. Quando essa disparidade se eleva, ocasiona uma fuga de talentos, de bons profissionais que estariam ali em defesa da União rumo a esses outros órgãos da Justiça", afirmou.
Andrade também negou que a criação da parcela seja uma forma de burlar a decisão do STF e disse ver como ponto positivo o fato de os recursos saírem do CCHA em vez de serem custeados com verba pública.
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