Abandonado, Jardim de Alah tem até barracos
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RIO - O casebre, habitado por um homem franzino de meia-idade, tem porta de madeira e parede de tijolos de cimento. Do lado de dentro, há colchão, sofá, tapete, espelho, vassoura... Tudo em pleno Jardim de Alah, debaixo de uma ponte da Avenida Borges de Medeiros, que não é o único espaço público transformado em privado às margens do canal que corre entre Ipanema e Leblon, num dos pontos mais nobres da Zona Sul.
Nos últimos anos, a área, que já viveu tempos de glória, agoniza, numa situação de total abandono do poder público. Todas as pontes que atravessam o jardim viraram teto para moradores de rua. São ao menos quatro barracos de alvenaria, cujos “donos” não estão propensos a muita conversa.

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— Não moro aqui. Só estou descansando. Desculpe. Não quero falar — disse, ontem, o homem que ocupava o cômodo da Borges de Medeiros.
TV POR SATÉLITE
Segundo moradores de prédios no entorno, a Comlurb tinha fechado os vãos sob as pontes justamente para evitar ocupações. Mas invasores quebraram os blocos, puseram as portas e fizeram dali suas moradas. Na que liga a Rua Humberto de Campos, no Leblon, à Rua Redentor, em Ipanema, há inclusive antena de TV via satélite. Teria sido instalada para que os moradores de rua assistissem a jogos de futebol.
Além da insegurança gerada pelas ocupações, Nelson de Franco, integrante da Associação de Moradores de Ipanema (AMIpanema) e presidente do Conselho Comunitário de Segurança da região, denuncia o desleixo generalizado com o Jardim de Alah. Até hoje, ressalta ele, há restos do canteiro de obras da Linha 4 do metrô, que ficou pronta em 2016.
— A Superintendência Regional da Zona Sul faz ações aqui. Mas elas precisam ser frequentes. Do contrário, é enxugar gelo. Os espaços usados como moradia são limpos, mas as pessoas retornam depois de um tempo. Já os resquícios das obras do metrô deixam a praça feia e perigosa — lamenta Franco.
Nesse cenário desalentador, a limpeza foi parar nos tribunais. Em junho, o Ministério Público estadual conseguiu na Justiça que a prefeitura, a Companhia de Transporte sobre Trilhos do Estado do Rio (RioTrilhos) e a Concessionária Rio Barra (que construiu a Linha 4) tomassem providências para proteger e recuperar a área de lazer. A RioTrilhos recorreu, alegando não ter competência para executar as obras.
ESTACIONAMENTO IRREGULAR
Mas os problemas ainda vão além. Mato alto, tapumes mal-ajambrados e grades enferrujadas já se incorporaram à paisagem.
— As grades, por exemplo, a prefeitura não tem dinheiro para substituir. Tirou uma parte. Mas seria melhor arrancar todas elas — sugere Maria Amélia Loureiro, presidente da AMIpanema.
Karen Morton, também da associação de moradores, denuncia ainda a existência de um estacionamento clandestino próximo a um posto improvisado da Comlurb. Na quinta-feira, uma equipe do GLOBO flagrou homens cobrando pelo acesso de dezenas de carros à área.
A CET-Rio confirma que o estacionamento é irregular, e a Guarda Municipal avisa que intensificará a fiscalização na região. Já a Superintendência Regional da Zona Sul afirma atuar na praça constantemente. No último dia 11, diz o órgão, algumas moradias improvisadas foram retiradas, na altura da Avenida Epitácio Pessoa, debaixo da ponte.
“Na ação, também foi recolhida grande quantidade de lixo e entulho. No dia 6 de novembro, mais uma ação de ordenamento retirou dois barracos. Os agentes recolheram tábuas de madeira, colchões, sofá, dois armários e cadeiras”, afirma a superintendência, por meio de uma nota.
A Comlurb, também por nota, alega que “mantém uma gerência adjunta no Jardim de Alah e está diariamente no local. A área, porém, está tomada pela população em situação de rua, e a companhia só pode atuar em ações conjuntas com outros órgãos municipais para resguardar a integridade dos garis. A Comlurb também realiza, sempre que tem condições, a limpeza da área, inclusive com equipamento de lavagem com água de reúso para a retirada de fezes e urina”.

ASSUNTOS: Rio de Janeiro