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Para combater desordem, prefeitura pretende urbanizar Rio das Pedras

Por Agência O Globo

16/04/2017 21h04 — em
Rio de Janeiro



RIO — Brian não tinha completado 1 ano, em setembro do ano passado, quando pegou tuberculose e meningite, que evoluíram para hidrocefalia. Foram três cirurgias e 11 dias em coma. E o caçula de Lucilene Maria do Nascimento se tornou uma criança especial, com baixa imunidade e deficiências de audição, visão e locomoção. Apesar do quadro, continua vivendo com a mãe e quatro irmãos em condições precárias no mesmo barraco, erguido num terreno da Via Light, em Rio das Pedras. Nesse trecho da comunidade, os casebres de madeira são colados uns aos outros para se manterem de pé. E os moradores convivem com cobras, ratos e lacraias. E tudo isso é só parte das enormes dificuldades enfrentadas por quem reside na favela que o prefeito Marcelo Crivella promete urbanizar.

Ocupada a partir da década de 1970, principalmente em função da migração de nordestinos, Rio das Pedras cresceu de forma anárquica e sem infraestrutura. Oficialmente, segundo estimativas do município, hoje já são 80 mil habitantes, mais do que a população de cidades como Três Rios e Paraty. Mas, pelas contas da associação de moradores, esse número pode chegar a 144 mil pessoas, espalhadas por 40 mil domicílios amontoados numa vasta área colada à Barra.

É uma favela de contrastes. Ao longo de anos, o poder público fechou os olhos não só para quem vive nos barracos paupérrimos da Via Light. Ignorou também o avanço de especuladores que, vislumbrando ganhos com aluguéis, ergueram prédios de até 11 andares, com apartamentos de mais de R$ 130 mil, sem licença da prefeitura, embora com o aval da milícia que controla a comunidade. Nesse vale-tudo, nem as arquibancadas de um campo de futebol na praça em frente à associação de moradores escapou. Sobre onde deveriam ficar espectadores está sendo construído um edifício.

— A nosso pedido, o ex-prefeito Eduardo Paes embargou a obra — diz o presidente da associação, Fabrício dos Santos.

Não adiantou. A despeito do embargo, o prédio já está no quarto andar. E, na semana passada, quando O GLOBO esteve em Rio das Pedras, havia movimento de operários no local.

— A obra chegou a parar. Os construtores são os mesmos de outro edifício na Muzema, que recebeu prioridade por parte deles. Agora, retomaram o prédio daqui devagar. É um trabalho de formiguinha — diz X., antigo morador de Rio das Pedras, que pede anonimato.

A área dos casebres de madeira fica perto dos prédios, considerados imóveis nobres dentro da favela. O terreno da Via Light foi ocupado há mais de dez anos, por seis famílias desabrigadas num incêndio em outra localidade, o Areal 2. Atualmente, é habitado por 26 famílias que, quando chove, precisam driblar a lama para entrar em casa. Muitas estão há anos à espera de receber aluguel social ou uma casa. No barraco de Lucilene, pelo menos, as novas promessas para Rio das Pedras reacenderam as esperanças da mãe de Brian de ser reassentada num lugar que possa dar um pouco mais de conforto ao bebê.

— Como meu filho tem baixa imunidade, corro atrás de doações para deixar o quarto onde ele fica arrumado. Consegui um armário que iriam jogar fora e até um ar-condicionado antigo. Como a gente não paga luz, posso ligar. E o piso eu consegui no “lixo da Lili” (apelido dado a um lixão na Via Light). Jogam coisa boa ali — conta Lucilene.

Vizinha de Lucilene, a mineira Claudia Santiago perdeu tudo no incêndio. É ela que resume a situação do lugar onde vive há uma década:

— Aqui, só a misericórdia de Deus.

De tão insalubre, quem teve condições até abandonou os barracos na Via Light. É o caso do pintor de paredes que se identificou apenas como Paulo, que conseguiu uma casa na Areinha por R$ 300. Desempregado, ele vive de vender alumínio e cobre que consegue catar no “lixo da Lili”:

— Seria bom se não precisasse pagar aluguel. Mas, quer saber, hoje não acredito em nada, nem em ninguém.

Moradores dos barracos e dos prédios, no entanto, sofrem com muitos problemas iguais. Entre os bairros de Itanhangá e Jacarepaguá, a comunidade tem como uma das fronteiras a Lagoa da Tijuca. Ao longo dos anos de 1980, a favela se expandiu junto com a Barra da Tijuca, à medida que aumentava a demanda por mão de obra na região. De lá para cá, avançou, inclusive, sobre a área de proteção da lagoa.

Sem controle do poder público, a desordem virou marca registrada de Rio das Pedras. Além de construções que não obedecem regra urbanística, os moradores reclamam do barulho das festas noturnas, do trânsito caótico, dos vazadouros de entulho e lixo e das barracas que ocupam calçadas e pistas das principais vias.

— A comunidade está um caos. A única coisa boa é que os “gatos” diminuíram muito. A Light colocou relógios e está cobrando uma tarifa mais baixa. Mas não se pode andar nas calçadas, que, cada vez mais, são ocupadas por barracas. Elas são loteadas pela milícia, e ninguém faz nada. Dependendo do tamanho da barraca, o comerciante tem de pagar de R$ 30 a R$ 250 por semana para os milicianos — revela X.

Rio das Pedras ganhou esse nome por causa de um rio que começa na Floresta da Tijuca e corta a comunidade até a Lagoa da Tijuca. Há 30 anos, o rio era tão limpo que muitos tomavam banho e lavavam roupas ali. Hoje, virou depósito de esgoto e lixo a céu aberto. Bem colado nele, foram construídas casas.

A deficiência da rede de esgoto, aliás, é visível por todo canto. O lugar passou por intervenções do Favela-Bairro, projeto da prefeitura, em 1996. Só que cresceu tanto que a tubulação não comporta mais. O resultado é o esgoto lançado em galerias de águas pluviais e extravasando por ruas e vielas. Na Rua do Amparo, a poça permanente ganhou até apelido: Veneza de Esgoto.

PROJETO É VERTICALIZAR FAVELA

Pelas promessas da prefeitura, o problema é um dos que devem ser resolvidos com a urbanização, apresentada por Crivella em sua última visita a Rio das Pedras, em março. As mudanças começam a ser discutidas com a comunidade esta semana, quando técnicos irão à favela para colher sugestões.

— Queremos transformar Rio das Pedras em bairro. Mas tudo será feito por etapas — afirma o superintendente regional de Jacarepaguá, Flávio Caland.

A ideia da administração municipal é verticalizar ainda mais Rio das Pedras, já cheia de prédios. E, assim, fazer intervenções em infraestrutura (saneamento básico, drenagem e redes de energia elétrica e telecomunicações subterrâneas), além de implantar vias, calçadas, ruas de pedestres, parques, praças e ciclovias. Também estão nos planos a recuperação do rio e da lagoa e a instalação de equipamentos de controle de velocidade dos veículos e de câmeras de segurança.

— Nós só temos uma alternativa para criar espaços maiores para as ruas, calçadas e escolas: verticalizar as moradias. É claro que uma intervenção como essa depende muito de as pessoas terem consciência de que é preciso um grau de sacrifício de cada um de nós. Mas, quando ficar pronto, teremos uma solução definitiva para Rio das Pedras. Ou a gente faz direito, de baixo para cima, ou nós vamos ficar fazendo apenas maquiagem — disse o prefeito, ao apresentar o plano de revitalização.

Mas o município não fixa um prazo para iniciar a urbanização, que seria viabilizada com recursos da iniciativa privada. A exemplo do Porto Maravilha, a ideia é vender Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), que permitirão construir empreendimentos residenciais e comerciais acima dos atuais gabaritos, em terrenos vazios ou que sejam desocupados na região. A prefeitura pretende investir os recursos arrecadados em infraestrutura. Moradores da favela poderão adquirir os novos imóveis por meio do programa Minha Casa, Minha Vida.

Segundo a Subsecretaria de Projetos Estratégicos, o próximo passo será o lançamento de um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), para identificar potenciais investidores e interessados em elaborar estudos que detalharão a futura operação urbana consorciada. Até a área de abrangência dos novos gabaritos, taxa de ocupação e lotes mínimos serão definidos por esses estudos.

Enquanto isso, o comércio e os serviços é que vão de vento em popa. Na última contagem feita pela associação de moradores, eram 780 escritórios e consultórios e 6.798 empreendimentos comerciais, dos quais de quatro mil a cinco mil têm algum tipo de legalização. Só bares e restaurantes, Fabrício estima que sejam três mil. Salões de beleza são mais de 300. A favela também já teve dezenas de lojas de construção, mas muitos desistiram do negócio por causa da concorrência com dois gigantes, que surgiram na favela com preços imbatíveis.


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