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Casa onde menino de 14 anos foi morto tem cerca de 70 marcas de tiro

Por Folha de São Paulo

20/05/2020 19h29 — em
Brasil


Foto: Reprodução

A casa onde o menino João Pedro Matos Pinto, 14, brincava com os primos antes de ser morto durante uma operação policial na tarde de segunda-feira (18) tem hoje cerca de 70 marcas de tiros, contaram pessoas que foram ao local nesta terça (19).

Os buracos se espalham por diversas paredes, uma janela e a televisão na sala do imóvel, que é de uma tia do adolescente e era usado para reunir a família aos finais de semana e em tempos de quarentena.

"Tem 71 marcas de tiros, eu mesma que contei", diz Jack Silva, presidente da associação de moradores do bairro. "Era muito tiro. E tinha também um pedaço de granada ou bomba de gás que jogaram."

É o mesmo relato de João Luis Silva, articulador social da ONG Rio de Paz, que foi chamado pelos parentes para ir até a casa no dia seguinte. "Eu contei 72 marcas, só tiro de fora para dentro. Tem um objeto no quintal que orientei que não mexessem, que parece pino de granada", afirma.

A família diz também que os celulares de três das seis crianças e adolescentes que estavam na residência durante a confusão sumiram, incluindo o de João. "A mensagem chega, o telefone chama, mas ninguém atende. A gente não sabe que fim que levou", conta a tia Georgia Matos de Assis, 41.

O imóvel fica na Ilha de Itaoca, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro. Naquela tarde, ocorria ali uma grande operação da Polícia Federal, com apoio principalmente da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) da Polícia Civil.

Uma das tias e o pai de João, comerciantes, tinham acabado de sair para trabalhar no quiosque na beira da praia quando as crianças que estavam brincando no jardim começaram a ouvir o barulho dos helicópteros voando baixo.

Eles então ligaram para a tia, que ordenou que eles entrassem correndo na casa. Foi o que fizeram, deixando a área de lazer externa, onde há uma mesa de sinuca e uma piscina, segundo amigos e familiares.

O relato dos jovens que estavam ali é que, logo em seguida, policiais entraram pelo portão destrancado, lançaram bombas de gás e começaram a atirar no jardim, seguindo até a sala, mesmo com os garotos se jogando no chão e gritando que havia crianças. João ficou caído na sala, baleado na barriga.

A versão oficial das polícias Federal e Civil é de que, durante a operação, seguranças de traficantes tentaram fugir pulando o muro da casa e atiraram e arremessaram granadas na direção dos agentes. João teria se ferido no confronto e foi socorrido em um helicóptero da Polícia Civil, mas não resistiu aos ferimentos.

"Os familiares afirmam com muita força, com muita convicção, que não havia nenhum traficante na casa, que ninguém havia pulado o muro. Acreditam em erro de informação da polícia", diz João Luis Silva, da ONG Rio de Paz.

A tia Georgia acredita que a polícia, ao ver os meninos correndo, pensou que havia criminosos na casa. "Olhando do helicóptero, a polícia achou que tinha gente na casa. Casa bonita eles acham logo que é casa de bandido", afirma. Segundo Jack Silva, da associação de moradores, o muro tem cerca de 4 metros de altura.

Um dos primos relata ainda que, quando um dos meninos mais velhos foi levar João baleado para o carro, para transportá-lo até o campo onde o helicóptero o esperava, policiais atiraram novamente. As corporações não comentaram esse episódio.

 

O adolescente foi então levado para uma base do Grupamento de Operações Aéreas do Corpo de Bombeiros, na zona sul do Rio, a 18 km em linha reta, mas já chegou morto, segundo os Bombeiros. Enquanto os pais não chegavam, as outras crianças foram colocadas sentadas e enfileiradas no chão, sem poder falar.

"Era uma megaoperação, com mais de quatro helicópteros, caveirão, PF e não tinha uma ambulância para dar suporte nem aos próprios agentes? E tem o Hospital Estadual Alberto Torres na cidade, com heliponto na porta. Por que ele não foi levado para lá?", questiona o advogado Rodrigo Mondego, da comissão de Direitos Humanos da OAB, que também acompanha o caso.

A família foi impedida de entrar no helicóptero e não recebeu nenhuma informação sobre o menino. O óbito foi constatado por volta das 15h15 de segunda, mas o corpo só chegou ao IML (Instituto Médico Legal) de São Gonçalo às 4h de terça, o que os parentes descobriram através de funcionários da unidade.

Até agora, os familiares dizem não ter sido procurados pelo governo do estado, apesar de a Secretaria de Estado de Vitimados informar que entrou em contato com a família ainda na noite de segunda para avisar sobre o corpo e oferecer auxílio.

Segundo João Luis Silva, da Rio de Paz, a informação passada para os parentes é de que a perícia foi feita logo após João ser baleado. Quando entraram novamente, não havia mais projéteis deflagrados nem outros indícios além das marcas da parede e do objeto que parece ser uma granada. A partir de então a casa não foi isolada novamente.

O delegado Allan Duarte, responsável pela Delegacia de Homicídios da região, afirmou por mensagem à reportagem que "a perícia foi realizada no dia" e que "assevera que eles [os peritos] estiveram lá". A PF e a Polícia Civil informaram na terça que apreenderam granadas e uma pistola dentro da casa.

Questionada nesta quarta (20) sobre o sumiço dos celulares e sobre o andamento das investigações, a Polícia Civil disse apenas que foi realizada uma perícia no local e que testemunhas prestaram depoimento na delegacia

"Os policiais já foram ouvidos e as armas apreendidas para confronto balístico. O piloto do helicóptero prestará depoimento e familiares também serão ouvidos. Os laudos periciais estão sendo analisados e outras diligências estão sendo realizadas para esclarecer as circunstâncias do fato", diz a nota.

A corporação acrescentou também que, paralelamente, foi instaurada uma sindicância administrativa disciplinar pela Corregedoria Geral da Polícia Civil para apurar a conduta dos policiais civis que participaram da ação. Não respondeu, porém, por que João foi levado de helicóptero para a zona sul do Rio.


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ASSUNTOS: 14 anos, assassinado, João Pedro, morto, tiros, Brasil

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