Cercamento de praça volta à pauta na cidade de SP, dividida entre segurança e livre acesso
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O cão correndo morro acima atrás da bola lançada pelo dono era o máximo de ação que se poderia ver no fim da tarde abafada da última quinta-feira (28) na praça coronel Custódio Fernandes Pinheiro, na zona oeste paulistana.
Envolto por um alambrado há três anos, o mirante famoso pela vista do pôr do sol na cidade está calmo como queriam moradores do bairro Alto de Pinheiros quando exigiram o cercamento e fechamento noturno do local para repelir grupos de jovens que chegavam ao entardecer e varavam a madrugada por lá.
Limpa, equipada com parquinho e aparelhos de ginástica, tudo vigiado a partir de uma guarita no alto da colina. A praça Pôr do Sol, cercada desde 2021, é hoje um dos modelos para vizinhanças interessadas em afastar públicos que, na avaliação delas, trazem desordem e sensação de insegurança.
Dividida entre a liberdade e o medo, a relação dos paulistanos com suas praças voltou à pauta após o Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) da região central de São Paulo iniciar uma campanha pela instalação de grades na praça da República.
O grupo submeteu o pedido ao Conpresp, o conselho municipal responsável por analisar alterações em construções que integram o patrimônio histórico, pois há bens tombados na República.
Para alcançar seu objetivo, o Conseg precisa modificar a legislação urbana. É que, para receber grades e portões, uma praça precisa ser legalmente transformada em parque.
Categórico ao refutar as grades na República, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) tem autorizado e mantido o cercamento de outras praças, inclusive a do Pôr do Sol. Apesar de não ter sido transformada em parque, ela recebeu gradis como medida para conter aglomerações durante a pandemia e assim permaneceu por decisão judicial, segundo a prefeitura.
O projeto da criação do parque foi aprovado em primeiro turno na Câmara, mas requer uma segunda votação para virar lei. O Ministério Público de São Paulo diz acompanhar o caso, mas, devido à mudança de legislatura, comunicou que aguardará até o início de 2025 para cobrar os vereadores.
Entre praça e parque não há certo ou errado. Enquanto a primeira é um espaço voltado à descompressão do tecido urbano e à confraternização da comunidade, o segundo tem objetivos mais específicos, como a realização de atividades esportivas e culturais, diz Valter Caldana, professor de arquitetura e urbanismo do Mackenzie.
"O que é preocupante é ver comunidades movidas pela sensação de insegurança cobrando gestores públicos a cercarem áreas, tornando-as mais restritas", diz Caldana. "Isso sim é um sintoma muito ruim de como a sociedade tem visto os espaços."
Segurança e restrição são palavras comuns entre frequentadores de áreas de lazer gradeadas.
Depois que o gradil foi instalado na praça em Pinheiros, a fisioterapeuta Juliana Ramos, 45, diz ter mais confiança para levar o filho de 8 anos para brincar no local. "Sem dúvida eu me sinto mais segura, pelo menos essa é a sensação", conta.
"Para nós foi muito eficiente", diz Ignez Barretto, presidente do conselho da SAAP (Sociedade dos Amigos do Alto dos Pinheiros), associação que trabalhou pela restrição do acesso. "A situação estava complicada porque aconteciam festas, uso drogas e havia muita sujeira", recorda.
Destituído da condição de praça ao receber grades em 1987, o parque Buenos Aires, em Higienópolis (região central), é um modelo regularmente citado por defensores das cercas. Com diversas saídas, o local consegue dar sensação de segurança e permitir certa fruição pública.
Ainda assim, até mesmo frequentadores que buscam essa segurança dizem se sentir em um ambiente segregado, como comenta a instrutora de ioga Greice Neukrchen, 26. "Procuro parques cercados para gravar minhas aulas, mas eu sei que, infelizmente, essas grades são uma maneira de restringir o acesso", diz.
Pontilhado por cenas abertas de uso de drogas, o centro da capital também tem o exemplo mais recente da política que cerca áreas públicas.
Antes uma praça, o atual parque Princesa Isabel buscou nas grades e em um horário de funcionamento diurno a solução para afastar traficantes e centenas de dependentes químicos que durante a pandemia fizeram do lugar o endereço da principal cracolândia da cidade.
A requalificação, segundo a gestão Nunes, ocorreu entre 2018 e 2024, e o novo parque foi aberto ao público em abril deste ano.
Após a reforma, é comum ver famílias da região aproveitando o espaço ao redor do enorme monumento equestre ao Duque de Caxias. A cracolândia migrou para a Santa Ifigênia, bairro vizinho, embora ainda ocorram pequenas concentrações de usuários no entorno.
Na última sexta-feira (29), logo após os portões serem fechados pontualmente às 18h, algumas crianças tentaram convencer o segurança a deixá-las entrar para aproveitar o dia ainda claro. Ficaram do lado de fora, não muito longe de um pequeno grupo de pessoas que fazia uso de crack.
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